«(…) Guicciardini descreveu de
modo sucinto o desprezo dos italianos pelo rei francês: não só lhe faltava
conhecimento das artes, como também mal sabia ler e escrever. Sentia ganância
pela governação, mas ela bastante incapaz na sua prática, porque se deixava
influenciar continuamente. Um homem assim mostrou ser seduzido com facilidade
por toda a ostentação ancestral sofisticada exibida por Alexandre VI. Quando
Carlos VIII se ajoelhou com a intenção de beijar os pés do papa, Alexandre VI
ajudou-o graciosamente a levantar-se. Ainda assim, o papa foi obrigado a fazer algumas
cedências. Quando Carlos VIII partiu para Nápoles com o seu exército, a 28 de Janeiro
de 1495, insistiu em que o cardeal César Bórgia cavalgasse a seu lado, como
companheiro amigável (e refém), junto com uma coluna de 19 mulas que transportavam
tesouros e ricas tapeçarias. Dois dias depois, o exército francês chegou a
Velletri, onde o rei e o seu companheiro de viagem deveriam ser os convidados
do bispo local, que não era outro senão o cardeal Giuliano della Rovere. Esta
teria sido de facto uma humilhação para o jovem e orgulhoso cardeal Bórgia, que
não suportava o mais pequeno insulto pessoal. No entanto, este não chegaria a
sê-lo. De acordo com o mestre de cerimónias de Alexandre VI, Johannes Burchard,
no dia 30 de Janeiro soube-se que o cardeal César Bórgia tinha iludido o
controlo do rei francês e fugira de Velletri disfarçado de palafreneiro das
cavalariças reais, e que viajara tão veloz que nessa noite já dormiu em Roma.
No dia seguinte, esgueirou-se discretamente da cidade ao nascer do dia. Para
cúmulo, Bórgia conseguiu também que metade da coluna de mulas que carregava o
tesouro fosse roubada, enquanto as caixas transportadas pelas restantes mulas
foram encontradas vazias.
Quando Carlos VIII compreendeu
que fora enganado, teve uma fúria e gritou: estes italianos são todos uns
canalhas nojentos e o pior deles é o seu Santo Padre! O cardeal Bórgia
manteve-se escondido na fortaleza da família em Spoleto durante dois meses,
antes de se arriscar a voltar a Roma. No entanto, dias depois de regressar,
daria a conhecer a sua presença de maneira bem característica. Um destacamento
de soldados suíços que ocupavam Roma em nome de Carlos VIII foi atacado com violência
na Praça de São Pedro por várias centenas de espanhóis fortemente armados; no
decurso da peleja que se seguiu, foram assassinados 24 suíços e muitos mais
conseguiram escapar com ferimentos graves. César Bórgia não era homem para
esquecer um insulto: tinham sido soldados suíços os que saquearam a casa da sua
mãe e lhe roubaram o dinheiro.
Entretanto, após saírem de
Velletri, Carlos VIII e o seu exército continuaram em direcção a Nápoles. Ao
ter conhecimento disto, o rei Alfonso II de Nápoles, que subira ao trono apenas
no ano anterior, decidiu abdicar e entrar para um mosteiro; pouco depois, o
novo rei, o seu filho Ferrante II, fugiu por mar para a Sicília. No dia 22 de Fevereiro,
Carlos VIII e o exército francês entraram triunfantemente em Nápoles e logo se
instalaram como em casa própria. Várias fontes referem o grande apetite sexual
de Carlos VIII e o seu entusiasmo pelas mulheres de Nápoles. Diz-se que teria um
livro com esboços dos retratos das preferidas, que ele folheava, salivando ao
imaginar os seus favores. Outras confirmam a sua obsessão com as relações
sexuais, mas alegam que insistia na novidade e nunca estava com a mesma mulher
duas vezes». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci,
Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009,
ISBN 978-989-724-010-2.
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do CAutor/JDACT