quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O Papa e o Filho Bastardo. Paul Strathern. «Ao ter conhecimento disto, o rei Alfonso II de Nápoles, que subira ao trono apenas no ano anterior, decidiu abdicar e entrar para um mosteiro»

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«(…) Guicciardini descreveu de modo sucinto o desprezo dos italianos pelo rei francês: não só lhe faltava conhecimento das artes, como também mal sabia ler e escrever. Sentia ganância pela governação, mas ela bastante incapaz na sua prática, porque se deixava influenciar continuamente. Um homem assim mostrou ser seduzido com facilidade por toda a ostentação ancestral sofisticada exibida por Alexandre VI. Quando Carlos VIII se ajoelhou com a intenção de beijar os pés do papa, Alexandre VI ajudou-o graciosamente a levantar-se. Ainda assim, o papa foi obrigado a fazer algumas cedências. Quando Carlos VIII partiu para Nápoles com o seu exército, a 28 de Janeiro de 1495, insistiu em que o cardeal César Bórgia cavalgasse a seu lado, como companheiro amigável (e refém), junto com uma coluna de 19 mulas que transportavam tesouros e ricas tapeçarias. Dois dias depois, o exército francês chegou a Velletri, onde o rei e o seu companheiro de viagem deveriam ser os convidados do bispo local, que não era outro senão o cardeal Giuliano della Rovere. Esta teria sido de facto uma humilhação para o jovem e orgulhoso cardeal Bórgia, que não suportava o mais pequeno insulto pessoal. No entanto, este não chegaria a sê-lo. De acordo com o mestre de cerimónias de Alexandre VI, Johannes Burchard, no dia 30 de Janeiro soube-se que o cardeal César Bórgia tinha iludido o controlo do rei francês e fugira de Velletri disfarçado de palafreneiro das cavalariças reais, e que viajara tão veloz que nessa noite já dormiu em Roma. No dia seguinte, esgueirou-se discretamente da cidade ao nascer do dia. Para cúmulo, Bórgia conseguiu também que metade da coluna de mulas que carregava o tesouro fosse roubada, enquanto as caixas transportadas pelas restantes mulas foram encontradas vazias.
Quando Carlos VIII compreendeu que fora enganado, teve uma fúria e gritou: estes italianos são todos uns canalhas nojentos e o pior deles é o seu Santo Padre! O cardeal Bórgia manteve-se escondido na fortaleza da família em Spoleto durante dois meses, antes de se arriscar a voltar a Roma. No entanto, dias depois de regressar, daria a conhecer a sua presença de maneira bem característica. Um destacamento de soldados suíços que ocupavam Roma em nome de Carlos VIII foi atacado com violência na Praça de São Pedro por várias centenas de espanhóis fortemente armados; no decurso da peleja que se seguiu, foram assassinados 24 suíços e muitos mais conseguiram escapar com ferimentos graves. César Bórgia não era homem para esquecer um insulto: tinham sido soldados suíços os que saquearam a casa da sua mãe e lhe roubaram o dinheiro.
Entretanto, após saírem de Velletri, Carlos VIII e o seu exército continuaram em direcção a Nápoles. Ao ter conhecimento disto, o rei Alfonso II de Nápoles, que subira ao trono apenas no ano anterior, decidiu abdicar e entrar para um mosteiro; pouco depois, o novo rei, o seu filho Ferrante II, fugiu por mar para a Sicília. No dia 22 de Fevereiro, Carlos VIII e o exército francês entraram triunfantemente em Nápoles e logo se instalaram como em casa própria. Várias fontes referem o grande apetite sexual de Carlos VIII e o seu entusiasmo pelas mulheres de Nápoles. Diz-se que teria um livro com esboços dos retratos das preferidas, que ele folheava, salivando ao imaginar os seus favores. Outras confirmam a sua obsessão com as relações sexuais, mas alegam que insistia na novidade e nunca estava com a mesma mulher duas vezes». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT