Sancho II de Portugal. Fr.
António Brandão (1632)
«(…) O resto é a guerra. Sancho II
tenta por todos os meios impedir que o seu irmão ocupe o governo do reino.
Afonso, desembarca em Lisboa em 1245, nomeado curador do reino e pouco tempo
depois, a pedido do rei de Portugal, uma hoste de cavaleiros castelhanos, às
ordens do futuro Afonso X, atravessa as fronteiras do Côa e juntam-se às forças
de Sancho. Enquanto o conde de Bolonha andava em Portugal, vencendo na guerra
as dificuldades que ocorriam e tratando de dar satisfação na paz às esperanças
que dele se tinham, el-rei Sancho, em Toledo, livre já dos encargos do reino e
bem desenganado do pouco caso que se pode fazer das cousas da vida, passava o
tempo com quietação e repouso… O
rei preparava-se para morrer naquela cidade e à sua morte, António Brandão, escreve
sobre o último enigma daquele reinado, os dois testamentos e sobre o que eles contêm,
e mais uma vez, o seu espírito arguto detecta inconsistências e incoerências,
que hão-de acompanhar a historiografia portuguesa. Às vezes cronista, armado
com a pena do patriotismo, faz descrições perturbantes das qualidades de um rei
que foi deposto; outras vezes, sereno, frio, isento, abandona com desprezo as
antigas crónicas, monumentos incompletos e mergulha nos pergaminhos dos mosteiros,
das igrejas, das chancelarias régias e, neles descobre, outras verdades sobre aquele
rei, sobre Sancho II que morreu em Toledo no princípio do ano de 1248. Do que leu
e depois escreveu, não mais a história portuguesa se esqueceu, e da vida,
feitos e desventuras daquele rei, nenhuma história se pode fazer sem parar
nestas páginas que, na primeira metade do século XVII um monge de Cister,
mandou imprimir.
Sancho II de Portugal. Alexandre
Herculano (1847)
Ainda hoje a História
de Portugal de Alexandre Herculano pode ser considerada como
o grande monumento historiográfico português do século XIX. Profundamente influenciado
por uma exigente e moderna historiografia europeia estava convicto de que a
história só podia ser feita a partir de documentos autênticos. A necessidade de
uma grande exigência crítica ao nível das fontes, requisito fundamental para
uma verdadeira reconstrução dos acontecimentos, levava-o a demarcar-se dos
modelos historiográficos que o precederam e que não contemplavam a necessidade
da crítica histórica, ou daqueles que se limitavam a produzir histórias
genealógicas, biográficas ou narrativas de feitos heróicos onde os objectivos
eram bem claros e pouco tinham a ver com a verdade histórica. Nesta obra
valoriza os aspectos político-militares dos reinados de Sancho I, Afonso II e
Sancho II onde o modelo de análise político-institucional predomina e é muitas
vezes acrescentado com outras perspectivas. Os fenómenos económicos, culturais e
mentais, transparecem em muitos dos seus parágrafos e a observação sistemática
dos acontecimentos passados durante a governação de Sancho II é prenhe desta conexão
entre o modelo institucional e os outros contextos. Vale a pena recordar a
observação de Vitorino Magalhães Godinho de que em Herculano: coexistem dois
historiadores: o da parte social da história de Portugal, da história dos bens
da Coroa [...] e o da parte narrativa, dos acontecimentos da História de
Portugal... Lutava Herculano pela neutralidade do historiador em relação à
época passada que queria estudar, mas ele próprio não ficou imune aos
condicionalismos e tentações do seu tempo. Era inevitável que a história
passasse a ser cada vez mais entendida (e produzida) como uma ciência
aplicável, que explicava o presente de forma pedagógica a partir da
reconstituição do passado.
Historiador
liberal, acreditava na observação objectiva do passado como modelo explicativo
do presente e antecipador do futuro. O seu projecto historiográfico assentava na
crítica das fontes disponíveis, aproveitando os esforços que nesse sentido os
monges beneditinos do século XVIII tinham desenvolvido, e desvalorizava os
modelos tradicionais que punham em evidência as vidas singulares dos monarcas e
das suas famílias, em detrimento da reconstituição das mudanças sociais e
políticas, como por exemplo, a evolução dos sistemas jurídicos, económicos e
culturais. Lançava, desta forma o anátema contra a história dos reis e das
genealogias. O seu projecto almejava a reconstituição da sociedade e não a
história dos indivíduos, embora lhe fosse difícil negar a importância do
indivíduo na história. É o que se passa com os dois filhos de Afonso II, que
entre 1245 e 1248 disputam o trono de Portugal. Carregada e melancólica rompia a
aurora do reinado de Sancho II. A chegada ao poder do novo rei acontece num clima de grande
perturbação em torno da coroa e do sistema político vigente». In
José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de
Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras,
Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval, 2003.
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