«Em 1368, dona. Leonor Teles Menezes,
a mulher mais desejada do Reino, casa com o morgado de Pombeiro, João Lourenço
Cunha. O matrimónio é imposto por seu tio, João Afonso Telo, conde de Barcelos.
Mulher fora do tempo, aceita contrariada o casamento, que a melancolia da vida
do campo não ajuda a ultrapassar. Por isso, decide abandonar o marido e parte
para Lisboa, para gozar a vida de riqueza e luxúria que a Corte proporciona.
Perversa e ambiciosa, não tem dificuldade em seduzir o jovem monarca, Fernando
I, alcançando, desse modo, o poder que sempre desejou. Mas a nobreza, o clero e
o povo não veem com bons olhos esta aliança de adultério com o rei. E menos
ainda quando a formosa Leonor Teles se envolve com o conde Andeiro...
No mesmo dia em que Briolanja
Mendes foi a sepultar, na campa rasa de um montezinho situado a pouco menos de
meia légua das terras pertencentes à casa do conde de Barcelos, dona Leonor
Teles Menezes cumpriu uma jura antiga: abandonou o marido e o filho, virou
costas a Pombeiro e partiu para Lisboa. A decisão, tomada tempo antes de a
velha Briolanja se extinguir, deixou João Afonso Telo, conde de Barcelos, louco
de fúria não apenas por ver na aventura da jovem sobrinha uma traição infame ao
marido e um acto de desamor pelo filho, mas também por considerar a fuga uma
cruel avania contra quem, como ele, fora o único a substituir-se no afecto dos
pais, Martim Afonso Telo Menezes, assassinado em Toledo pelo cruel Pedro de
Castela, e dona Aldonça Vasconcelos, falecida prematuramente em consequência do
rescaldo da Grande Peste que varreu um terço da população europeia. Logo no
primeiro dia de orfandade da pequena Leonor, com apenas cinco anos, João Afonso
Telo propusera-se conceder toda a protecção à criança, e até distingui-la dos
irmãos, João Afonso Teles, Gonçalo Teles e Maria Teles, igualmente seus
sobrinhos, nos benefícios resultantes da cobrança de rendas e distribuição de
terras. A Leonor coube sempre o melhor quinhão.
O melhor e o pior, também, se se
considerar a circunstância de o tio lhe ter destinado o fidalgo que ela menos
queria para casar. É verdade que tinha feito já dezoito anos, idade mais do que
razoável para celebrar matrimónio, ter filhos e dar continuidade à linhagem
familiar a que pertencia. Mas o facto de não haver na região da Beira um
cavaleiro à altura dos seus sonhos e das exigências que ela impunha a outrem, e
a si mesma, eliminava à partida a hipótese de um casamento admirável. Leonor
Teles sempre quis um homem encantador, um macho cujo perfil correspondesse à
sua extraordinária beleza. Só que na Beira a possibilidade de escolha do homem
perfeito, que ela via ou inventava em desvairados sonhos, era difícil, se não
mesmo improvável. Por isso, e porque jamais seria capaz de contrariar a vontade
do tio, quanto mais não fosse por respeito à idade e ao facto de ele ter sido
armado cavaleiro pelo rei Pedro de Portugal numa cerimónia pública em que foram
gastas avultadas somas em círios e tochas, dona Leonor começou por aceitar, no
silêncio da renúncia, a oferta para aconchego matrimonial de um fidalgo de
muitos bens, filho de Martim Lourenço Cunha, primeiro senhor de Pombeiro, e de dona
Maria Anes Briteiros.
João Lourenço Cunha, assim se
chamava o futuro marido de Leonor Teles, era um homem pouco mais velho do que
ela, de figura medíocre, estatura abaixo da média, volumoso de rosto e de
tronco, ambos assimétricos, de cabelo negro, quase sempre desalinhado, e com a
pele muito morena. Mas pior que o aspecto físico do fidalgo, que até às pu… beirãs
e transmontanas chegava a suscitar nojo e desconforto, eram a estupidez e a
cobardia que ela mais detestava nele. Certo dia, já depois de realizados os
competentes esponsais, acordada a soma do dote e lavrada a escritura do acontecimento,
a jovem pensou falar ao tio para lhe confessar o seu total desinteresse no
brinde que ele lhe destinara e, consequentemente, abdicar de todos os benefícios
resultantes do consórcio imposto. E chegou mesmo a decorar duas ou três frases
fortes, comoventes, com base na eterna ideia de que o amor prevalece sobre
todas as coisas materiais da vida, pelo que, em homenagem a esse princípio que habitava
as regiões mais fundas de si mesma, melhor seria desfazer o negócio matrimonial
com João Lourenço Cunha, senhor do morgado de Pombeiro, e esperar por outra
oportunidade. Com um discurso apropriado às circunstâncias, pensava ela, talvez
o conde se deixasse convencer e, resultado disso, revogasse a escolha do homem
que haveria de lhe servir para marido. Mas João Afonso Telo não era pessoa
talhada para mudar de ideias, muito menos para ceder a pressões de uma mulher,
menos ainda para se amoldar a conceitos tão modernos quanto os do amor e da
beleza, sobre os quais as açafatas da sua pequena corte discorriam
regularmente. Só entre elas e em segredo, diga-se». In José Manuel Saraiva, Rosa
Brava, Oficina do Livro, 2005, ISBN 978-989-555-113-2.
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