«(…) O grupo mantinha-se
silencioso havia já algum tempo. De cada um dos lados da estrada só se via
erva, depois uma baixa vedação de pedra e a seguir a ondulada curva do alto da
colina, traçada com os muros de pedra. E, por cima de tudo isto, o céu pesado e
nebuloso. O carro avançou, sob o céu baixo e cinzento e os picos desguarnecidos.
Paramos por momentos?, perguntou Leo. Oh, sim!, exclamaram as raparigas. Saíram
de novo do carro, agitadas, para olharem em volta. Conheciam aquele lugar
perfeitamente bem, mas, de qualquer modo, se se vai ao alto do Head, então é
preciso sair e olhar. As colinas pareciam os nós dos dedos de uma mão, os vales
estavam lá em baixo, entre os dedos, estreitos, íngremes e escuros. Lá no
fundo, um comboio soltava vapor, avançando lentamente para norte: uma coisa
pequenina, daquele mundo distante. Os ruídos da locomotiva ecoavam curiosamente
para cima. A seguir, ouviram o som abafado e familiar de uma explosão numa
pedreira. Leo, incapaz de estar parado muito tempo, moveu-se rapidamente. Vamos
andando?, perguntou. Queremos ou não chegar a Amberdale a tempo do chá? Ou
experimentamos noutro sítio mais próximo?
Todos votaram por Amberdale, pelo
marquês de Grantham. Bom, por que caminho vamos regressar? Vamos por Codnor e
Crosshill, ou por Ashbourne? Este era o dilema do costume, mas, por fim,
decidiram ir por Codnor, pela estrada de cima. E lá partiu o carro,
corajosamente. Estavam agora no topo do mundo, nas costas da tal mão. E era um
topo do mundo também nu, como as costas da mão, desolado, monótono e
verde-escuro, cortado por uma rede de velhos muros de pedra, dividindo os
campos, interrompido aqui e acolá por ruínas de antigas minas de chumbo e de
fábricas. Os edifícios de pedra de uma quinta isolada mostravam seis árvores
espetadas e nuas. À distância, via-se uma mancha de pedra cinzenta, uma aldeia.
Nalguns campos, carneiros cinzento-escuros alimentavam-se silenciosa e
tristemente. Não havia um som nem um movimento. Era o telhado da Inglaterra,
pedregoso e árido como qualquer telhado. Para lá dele, lá em baixo, estavam os condados.
E vejam agora as províncias
coloridas, disse Yvette para si própria. De qualquer modo, aqui, as províncias
não tinham nada de colorido. Um bando de gralhas surgiu, vindo de qualquer
lado. Tinham andado a vaguear, debicando num campo nu que fora estrumado. O
carro continuou a avançar por entre a erva e os muros de pedra daquela estrada
do planalto e os jovens seguiam silenciosos, olhando por cima daquela rede de
divisórias de pedra, por debaixo do céu, vendo as curvas inclinadas para baixo
que indicavam um declive íngreme, em direcção a um dos vales, escondidos lá ao
fundo. À frente seguia uma carroça conduzida por um homem e, caminhando
penosamente ao lado, ia uma mulher, robusta e de idade avançada, com um fardo
às costas. O homem da carroça tinha-a apanhado e agora acertava o passo pelo
dela. O caminho era estreito. Leo tocou a buzina, violentamente. O homem da carroça
olhou em volta, mas a mulher, que ia a pé, limitou-se a continuar a seguir em frente
com maior firmeza e mais rapidamente, sem virar a cabeça.
O coração de Yvette deu um salto.
O homem que se encontrava na carroça era um cigano, um daqueles ciganos escuros,
de corpo elegante e descontraído. Mantinha-se sentado na carroça, de cabeça
virada, olhando os ocupantes do automóvel, por debaixo da pala do boné.
Mantinha uma pose descuidada e uma mirada insolente e cheia de indiferença.
Tinha um fino bigode negro por debaixo do nariz estreito e direito e um grande lenço
de seda, vermelho e amarelo, enrolado em volta do pescoço. Disse qualquer coisa
à mulher. Esta parou por um segundo, virou-se e olhou para os ocupantes do
carro, que estava agora já muito perto. Leo accionou de novo a buzina,
imperiosamente. A mulher, que usava um lenço cinzento e branco amarrado em
volta da cabeça, virou-se para a frente rapidamente, para acompanhar o
andamento da carroça, cujo condutor também voltara à sua posição inicial e
levantava as rédeas, movendo os ombros leves e elegantes. Mas continuava sem se
desviar.
Leo
carregou na buzina, enquanto travava e o carro abrandava, já muito junto da
traseira da carroça. Ao ouvir toda aquela barulheira, o cigano voltou-se para
trás, o riso estampado na sua cara morena, por debaixo do boné verde-escuro, e
disse qualquer coisa que eles não ouviram, mostrando os dentes muito brancos
por debaixo da linha do bigode negro e fazendo um gesto com a mão magra e
morena. Saiam do meio do caminho!, gritou Leo. Como que em resposta, o homem
puxou as rédeas delicadamente, fazendo o cavalo parar quando ele já se desviava
para o lado da estrada. Era um bom cavalo ruão e uma boa carroça, verde-escura
e elegante. Leo, irado, foi forçado a travar e a parar também. Não quererão as
meninas, tão bonitas, ouvir ler as suas sinas?, perguntou o cigano da carroça,
de rosto risonho, excepto os olhos, escuros e vigilantes, que saltavam de rosto
para rosto, demorando-se na face jovem e delicada de Yvette. Ela encontrou os
olhos dele durante um segundo, aquela mirada superficial, a sua insolência, a
sua completa indiferença para com pessoas como Bob e Leo, e houve qualquer
coisa que se incendiou no seu peito. Pensou: é mais forte do que eu! Não se
rala! Oh, sim! Queremos!, gritou imediatamente Lucille. Oh, sim!, entoaram as
restantes, em coro». In DH Lawrence, A Virgem e o Cigano, 1926,
Editora Assírio & Alvim, 1984, colecção O Imaginário, ISBN
978-972-370-164-7.
Cortesia
de Assírio & Alvim/JDACT