«(…) De modo semelhante à heroína de Sagan, que escutava a
pulsação cósmica de números primos, e a Sacks espionando os gémeos, há muitos
séculos que os matemáticos se esforçam em decifrar alguma ordem nesse ruído.
Porém, nada parecia fazer sentido, como ocorre quando ouvidos ocidentais
escutam música oriental. Mas então, na metade do século XIX, foi feito um grande
progresso. Bernhard Riemann passou a abordar o problema de uma forma completamente
nova. Utilizando uma nova perspectiva, começou a compreender parte do padrão
responsável pelo caos dos primos. Havia uma harmonia subtil e inesperada
escondida sob o ruído externo dos primos. Apesar desse grande salto adiante, a
nova música ainda ocultava muitos de seus segredos. Riemann, o Wagner do
mundo matemático, foi audacioso e fez uma previsão ousada sobre a melodia
misteriosa que havia descoberto. Essa previsão ficou conhecida como a hipótese
de Riemann. Quem conseguir provar que a intuição de Riemann sobre a natureza
dessa música estava correcta, terá explicado porque os primos nos transmitem
uma impressão tão convincente de aleatoriedade.
Riemann
desenvolveu sua ideia original após descobrir um espelho matemático através do
qual era possível observar os primos. O mundo de Alice foi virado de cabeça
para baixo quando a menina atravessou o espelho. Já no estranho mundo
matemático situado do outro lado do espelho de Riemann, aconteceu o contrário:
o caos dos primos pareceu tornar-se extremamente ordenado, revelando um padrão
muito consistente. Assim, conjecturou que essa ordem sempre se manteria, por
mais longe que fôssemos na nossa exploração do mundo infinito além do espelho. A
sua previsão sobre a existência de uma harmonia interna do outro lado do
espelho explicaria por que, vistos de fora, os primos parecem tão caóticos. A
metamorfose provocada pelo espelho de Riemann, transformando o caos em ordem,
parece quase um milagre para muitos matemáticos, e Riemann deixou-lhes o
desafio de provar que a ordem que ele acreditava observar realmente existia.
O e-mail de Bombieri de 7 de Abril
de 1997 prometia o início de uma nova era. Riemann enganara-se com uma miragem.
O aristocrata matemático instigava os matemáticos com uma possível explicação
para o caos aparente dos primos. Todos estavam ansiosos por adquirir os grandes
tesouros que certamente seriam revelados pela solução desse problema tão difícil.
Uma resposta para a hipótese de Riemann terá enormes implicações para muitos
outros problemas matemáticos. Os números primos ocupam lugar tão fundamental na
matemática que qualquer progresso na compreensão de sua natureza terá um
impacto grandioso. A hipótese de Riemann parece ser um problema inevitável.
Quando navegamos pelo terreno matemático, é como se todos os caminhos, em algum
ponto, levassem necessariamente à mesma paisagem deslumbrante da hipótese de
Riemann. Muitas pessoas compararam a hipótese de Riemann à escalada do monte
Everest. Quanto mais tempo passa sem que ninguém o consiga escalar, maior se
torna o desejo de realizar a façanha, e o matemático que finalmente conseguir
vencer o monte Riemann certamente será lembrado por mais tempo que Edmund
Hillary. A conquista do Everest é fascinante, não porque o cume seja um lugar
particularmente agradável, e sim pelo desafio que representa. Nesse sentido, a
hipótese de Riemann é muito diferente da ascensão do pico mais alto do mundo.
Queremos atingir o cume da montanha de Riemann porque já sabemos das paisagens
que se abrirão caso consigamos chegar ao topo. A pessoa que provar a hipótese
permitirá que se preencham as lacunas de milhares de teoremas que dependem de
sua confirmação. Muitos matemáticos viram-se obrigados a pressupor a veracidade
da hipótese para atingir os seus próprios objectivos». In Marcus Sautoy, A
Música dos Números Primos, 2003, 2004 (Harper Perennial), Edições Zahar, 2007,
ISBN 978-853-780-037-9.
Cortesia de EZahar/JDACT