Sancho II de Portugal. Alexandre
Herculano (1847)
«(…) Com a morte de Afonso II, Herculano introduz uma
questão no seio das preocupações da historiografia portuguesa: a menoridade de Sancho II.
Este tema já tinha sido apontado por António Brandão, embora com incorrecções
no que diz respeito a datas. Herculano retoma-o, de forma crítica, construindo
sobre a idade insuficiente do rei a ideia de que aí estava o início de alguns
dos problemas que diminuíram a governação de Sancho, em especial aqueles que foram
condicionados pela personalidade, vista como inconstante, do monarca. Com efeito,
é com Alexandre Herculano, que esta questão ganha substância e assume personalidade
própria na historiografia portuguesa. Torna-se numa questão fundamental e
incontornável na abordagem ao estudo deste reinado pela historiografia
portuguesa posterior a este autor. Quer seguindo-lhe linearmente as
interpretações, quer intervindo criticamente sobre as suas afirmações menos
consistentes, ninguém mais se eximiu, ao falar deste reinado, a colocar a
questão da menoridade de Sancho.
A maioria dos autores que precederam Alexandre Herculano
mostram-se incertos quanto à idade com que Sancho II herda a coroa, embora na
generalidade atribuam ao novo monarca a idade de vinte e três anos. Herculano
reconsidera a data precisa do nascimento do príncipe, afirmando que nunca
poderia ter antecedido os meses finais do ano de 1209 e que certamente as datas
dos documentos teriam sido mal lidas, pois considera erradas as leituras de fr.
António Brandão, em especial a contida no instrumento de doação de dona
Estevaínha Soares ao mosteiro de Tarouca, onde teria sido lida a data de 1241,
em vez da era de 1251 (1213), lida por Viterbo. Alexandre Herculano considera
verosímil este casamento para o final de 1208 ou princípio de 1209, indicando que
o nome da rainha dona Urraca passa a figurar ao lado do marido e do sogro, pelo
menos a partir de Fevereiro de 1209. Recorda, na sua nota XIV, uma passagem de Espada
Sagrada, onde se refere que uma das causas directas que provocaram o
conflito entre Sancho I e o bispo do Porto, Martinho Rodrigues, teria sido a
maneira como o prelado portuense teria tratado os noivos ao entrarem naquela cidade.
A utilização crítica de diversos documentos permite precisar melhor a idade do rei.
Considera determinante o facto de na famosa composição com as tias a dizer que
o príncipe ainda não tinha atingido os catorze anos de idade; ou as expressões
papais contidas na bula Grandi non
immerito que se referem ao infante como tendo herdado a coroa
paterna na idade da puerícia (período da vida compreendido entre a infância e a
adolescência).
Posteriormente, a publicação sistemática da documentação de
Sancho I vem balizar com precisão a data daquele casamento, confirmando a opinião
de Herculano. O primeiro documento onde dona Urraca figura como mulher de
Afonso II é de Fevereiro de 1209. Como o último instrumento régio, sem aparecer
referência à rainha é de Novembro de 1228, o casamento terá ocorrido entre
aquelas duas datas. A menoridade de Sancho serve de pretexto a Alexandre
Herculano para acrescentar uma nova dimensão às tensões existentes entre os
partidários do modelo centralizador e os seus opositores. A clarividência de Afonso
II ao prever o seu desaparecimento precoce, já que era provável que tivesse
consciência de que a morte se aproximava, também admitia que todo o seu labor
em prol do fortalecimento do poder régio poderia ser posto em causa pela
transmissão do poder para as mãos de uma criança. Os testamentos do rei definem
claramente que o príncipe herdeiro, caso seja menor, deve ser aconselhado pelos
seus validos, homens de confiança e a regência confiada a dona Urraca. No
último testamento, posterior à morte da rainha, determina que essa regência passe
aos ricos-homens que exerciam os mais altos cargos do estado que passarão a
reger
os destinos do
reino em nome do príncipe». In José Varandas, Bonuns Rex ou Rex
Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de Poder no reinado de Sancho II
(1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, Tese
de Doutoramento em História Medieval, 2003.
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