sábado, 3 de fevereiro de 2018

A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal. Ana Anjos Mântua. «Experimentei a sensação de estar num cenário vivo de uma ópera romântica. Os jardins, integrados no bosque, obra do mestre jardineiro Francis Burt…»

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«(…) Na dita festa, conversámos durante longas horas e descreveu-me a sua vida em Portugal no palácio que o marido tinha mandado construir numa localidade chamada Sintra. Este milionário comerciante e coleccionador de arte tinha adquirido em 1855 a Quinta de Monserrate, onde mandara edificar um palácio romântico em estilo neoárabe rodeado de jardins à inglesa. Fiquei deslumbrada, posso dizer mesmo seduzida, por tão encantatório relato! Decidi que tinha de ir a Portugal! Confesso que senti alguma inveja, comecei a pensar que talvez a mesma sorte me pudesse também bafejar. Tinha enviuvado há algum tempo, sentia-me sozinha, não que me faltassem pretendentes, mas nada do que eu ambicionava, talvez fosse o momento certo para encontrar alguém à minha altura, um aristocrata português, porque não?! Também as trágicas notícias que nos chegavam acerca do bárbaro assassinato do rei e do príncipe, ocorrido em Fevereiro último, contribuíram para a minha rápida resolução. Corriam notícias acerca da disponibilidade do infante Afonso, irmão do falecido rei Cados I e agora príncipe real, um inveterado solteirão, que todos achavam que nunca se casaria. É claro que este facto despertou ainda mais a minha curiosidade, pelo que estava determinada a conhecê-lo, e talvez fosse aquele o momento adequado.
Procurei saber mais acerca daquela belíssima propriedade e cheguei mesmo a ler os versos que lord Byron lhe dedicou na sua narrativa poética Childe Harold's Pilgrimage, que agora recordava enquanto percorria as estradas de Sintra. Como não fica bem a uma senhora viajar sozinha, levei Daisy Taylor comigo, minha criada, que me acompanha há, já alguns anos, desde os tempos em que vivi em Nova lorque, e que estava tão deslumbrada quanto eu com semelhante paisagem. O palácio, visto do exterior, era uma combinação de influências góticas, indianas e mouriscas, com decorações exóticas e vegetalistas, que se prolongavam harmoniosamente para o exterior, e, tal como Tennie C. me tinha descrito, consegui perceber de imediato todo o fascínio que sentira ao vê-lo peia primeira vez. Experimentei a sensação de estar num cenário vivo de uma ópera romântica. Os jardins, integrados no bosque, obra do mestre jardineiro Francis Burt, mas sob a orientação atenta e conhecedora do visconde, eram absolutamente arrebatadores. Era tão perceptível o cuidado com que cada espécie botânica fora escolhida, de forma a conter naquela área a flora de todo o mundo, organizada em diferentes espaços. Encantaram-me os caminhos traçados por entre ruínas, recantos, lagos e cascatas, mas a zona que mais me surpreendeu, e que ainda hoje recordo com um enorme prazer, era a dedicada ao Japão, com azáleas, rododendros, camélias e bambus. Mas, infelizmente, não se encontrava ninguém na propriedade, à excepção dos caseiros e criados.
Desiludida, continuei a explorar os encantos daquela vila que tanto fascinava os britânicos. O carro conduziu-me por caminhos talhados no meio da floresta, paisagem idílica, por entre o verde cerrado da vegetação surgiam belíssimos chalés, senti-me como num conto de fadas. Passámos por Seteais e pelo Palácio da Pena e parámos um pouco no parque, junto a uma lindíssima construção de madeira e cortiça, o chalé da condessa de Edla. Detive-me no centro, junto ao palácio real, para repousar, comer qualquer coisa e me refrescar, quando ouvi o som de um motor ruidoso de automóvel, perturbando aquela pacatez que me rodeava.
O Fiat, era essa a marca do carro, parou em frente ao paço e dele saíram dois homens para que rapidamente pudessem abrir a porta ao condutor. Percebi de imediato que se tratava de alguém importante, não só pelos poucos automóveis que até então tivera ocasião de ver em Lisboa, mas principalmente pela forma como era tratado. Detive-me a observar. As gentes locais acorreram prontamente, fazendo-lhe vénias e cumprimentos prolongados. Perguntei, pausadamente para que me pudesse entender, a uma mulher que passava, de quem se tratava. Ela, entre palavras e gestos, e num tom de reverência, apressou-se a esclarecer-me que se tratava do príncipe real Afonso, irmão do falecido rei». In Ana Anjos Mântua, A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal, Letras & Diálogos, Editorial Presença, Manuscrito, 2017, ISBN 978-989-881-874-4.

Cortesia de L&Diálogos/JDACT