A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Falsificadores dos livros
sagrados de Moisés... E alguns deles cuspiam. A mãe e o pai de Maria olhavam em
frente, fingindo não os ver ou ouvir, o que os irritava ainda mais. Vocês são
surdos, é? Então oiçam só! E começaram a soprar num chifre de carneiro,
produzindo barulhos terríveis e fazendo assobios estranhos, cavernosos. O ódio
parecia vibrar no ar. Mas os galileus não olhavam nem respondiam aos insultos.
Maria tremia, sobre o seu burro, quando passou à distância de pouco mais de um
braço de um punhado de rufiões. Depois, felizmente, foram-se distanciando,
perdendo-os de vista e, em seguida, deixando de os ouvir. Que coisa horrível,
desabafou Maria, quando conseguiu falar. Por que é que nos odeiam tanto? É uma
história muito antiga, disse o seu pai. E dificilmente mudará durante as nossas
vidas. Mas porquê? De onde vem esse ódio? É uma história muito comprida, disse
o seu pai, com amargura. Eu vou contar, disse Silvanus, emparelhando o seu
burro. Conheces a história do rei David, não é verdade? E a do rei Salomão? Claro
que sim, respondeu Maria, orgulhosamente. Um, foi o maior guerreiro que já
tivemos, e o outro, o mais sábio. Mas não foi sábio o suficiente para ter um
filho sábio, disse Silvanus. O seu filho fez com que os súbditos ficassem tão
zangados que dez das doze tribos de Israel foram-se embora do seu reino e
fundaram um outro, no Norte. Escolheram um general para ser o seu rei, Jeroboão.
Jeroboão. Ela já ouvira falar
dele, e o que quer que fosse, não tinha sido coisa boa. Como o povo do Norte já
não podia ir ao Templo, em Jerusalém, Jeroboão mandou construir novos altares,
com bezerros de ouro para serem adorados. Deus não gostou e puniu-o enviando os
assírios para destruir o seu país e fazer deles prisioneiros. E foi esse o fim
de dez das tribos de Israel. Desapareceram na Assíria e jamais voltaram. Adeus
Ruben, adeus Simeão, adeus Dan e Aser... Mas agora a Samaria não está vazia,
disse Maria. Quem são aquelas pessoas mal-educadas que gritavam connosco? Os
assírios trouxeram pagãos para colonizar estas terras!, gritou Eli, que ouvia a
conversa. Juntaram-se aos poucos judeus que tinham ficado para trás e deram
origem a essa horrível mistura da fé pura de Moisés com o paganismo. Uma coisa
terrível! Contorceu o rosto com repugnância. E não digas que eles não tiveram
escolha! Maria encolheu-se. Não pretendia dizer isso.
Toda a gente tem escolha!, continuou
Eli. Alguns dos membros das dez tribos eram fiéis a Jerusalém. Por isso não
foram punidos nem enviados para a Assíria. Foi o que a nossa família fez. Nós éramos,
e somos!, da tribo de Neftali. Mas fomos sempre fiéis! Tinha levantado o tom de
voz e parecia furioso. E devemos continuar a ser fiéis! Sim, Eli, respondeu
Maria, submissamente. E questionava-se como se faria isso. Ali, ao longe,
apontou em direcção ao Sul, no monte Gerizim, eles praticam rituais heréticos! Ele
ainda não respondera à sua pergunta, por isso ela reformulou-a. Mas por que é
que eles nos odeiam? Silvanus inclinou a cabeça na direcção do irmão. Porque
nós os odiamos
e o demonstramos». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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