domingo, 25 de fevereiro de 2018

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «Contava-se que Jesus Cristo lhe aparecera na noite anterior a uma batalha contra os mouros e lhe prometera a vitória»

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«(…) Já ninguém acalmava os cruzados eufóricos. Konrad e Hadwig suspiraram conformados. A cidade esconderia mesmo um tesouro subterrâneo? Iria o rei português autorizar um saque? Ninguém sabia respostas para estas perguntas. Mas todos estavam resolvidos a não arrancar pé dali, enquanto Lusbuna não estivesse sob poder cristão. El-rei convocou uma reunião com os quinze mil cruzados e os guerreiros portugueses. Como a sua mensagem seria traduzida pelos clérigos, que se espalhariam pelo campo, os estrangeiros deixaram as primeiras filas aos locais. Konrad misturou-se porém entre estes últimos. Não lhe interessava tanto a mensagem, como o homem por quem eles iriam lutar. Os súbditos de Afonso Henriques já o tinham elevado ao estatuto de lenda. E não só por ele se ter libertado do jugo de seu primo Afonso VII, que se intitulava imperador de toda a Hispânia. Contava-se que Jesus Cristo lhe aparecera na noite anterior a uma batalha contra os mouros e lhe prometera a vitória. Por isso os portugueses se lançaram à luta, apesar de o seu exército contar com menos de metade dos guerreiros das tropas inimigas, comandadas por cinco reis mouros... E venceram!
Konrad conseguiu um lugar nas primeiras filas, que se apertavam em frente de um pequeno morro, o púlpito improvisado para o discurso. El-rei surgiu montado no seu cavalo castanho de sangue árabe. A seu lado, encontrava-se o bispo do Porto, Pedro Pitões, que traduziria as suas palavras em latim. Os fidalgos portugueses e estrangeiros posicionaram-se atrás deles, em jeito de escolta. A montada real estava coberta por uma manta branca, ornada em todos os quatro cantos com uma cruz azul, o brasão português. Em cima do cavalo, Konrad viu um homem alto e forte, que apesar do calor se apresentava completamente armado. Na sua cabeça pousava o elmo cónico com protecção nasal, que deixava o rosto livre. Konrad deu-se assim conta de um olhar escuro e autoritário e de um bigode preto. Em cima dos ombros largos caíam cabelos ondulados. A cota de malha, que quase lhe chegava aos joelhos, estava polida e reluzia debaixo da cota de armas branca, desprovida de mangas, e que apresentava sobre o peito a cruz azul de Portugal. O manto real, igualmente azul, era segurado sobre o ombro direito por uma fíbula de ouro. Botas de couro e acicates brilhantes completavam a figura do monarca. Esta aparição logo silenciou os portugueses, subjugados à veneração, transbordando de confiança cega. Este povo, pensou Konrad, atirar-se-ia para as labaredas eternas do inferno, fora esse o desejo de Afonso Henriques. Ele próprio admitia que a simples presença do homem impunha mais respeito do que a de outros vociferando palavras ameaçadoras. E quando Konrad ouviu a voz real, teve a certeza de que ela atravessava o vasto campo, troava sobre as cabeças de milhares de homens, ouvindo-se até às últimas filas. Como ele entendia um pouco do latim que o bispo do Porto emanava, traduzindo as palavras do seu soberano, percebeu que Afonso agradecia aos cruzados pela ajuda e prometia recompensas, glória e poder. Lembrou que o papa Urbano II, na sua pregação pelas primeiras cruzadas há cinquenta anos atrás, chamara a atenção para o facto de que o combate contra os mouros na Hispânia não poderia ser menos importante do que a conquista de Jerusalém. Afonso Henriques explicou como as tropas se deveriam distribuir no terreno e no fim Konrad, apesar de não ter entendido nem metade, quase jubilou com os outros, entusiasmado com o carisma e a voz do rei. Mas só quase! Ali, longe das muralhas e do feitiço que Lusbuna havia exercido sobre ele, aquele cerco representava uma perda de tempo nos seus planos.
Desobedecendo às ordens do pai, Aischa escapulira-se de casa. As mulheres estavam proibidas de sair, desde que os cruzados tinham chegado, mas a moça não achava que houvesse grande perigo. Apesar dos majus já se encontrarem junto à foz do Wâdi Tâjuh há uma semana, ainda não tinham montado cerco. Desconfiava-se até que não se entendiam com os portugueses, embora já tivessem desferido um rude golpe nos habitantes da cidade, ao descobrirem a maior matmúrâ que havia fora de muros. Agora, já ninguém conseguiria ir lá buscar as preciosas reservas, o que se podia revelar trágico em caso de cerco prolongado» In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT