«Era
uma noite chuvosa, as ruas pareciam espelhos, reflectindo tudo. O basco tinha
trinta francos no bolso e sentia-se rico. Tinha gente dizendo que, com o seu
estilo ingénuo e tosco, ele era um grande pintor. Não percebiam que ele copiava
de cartões-postais. Tinham dado os trinta francos pela última pintura. O basco
estava eufórico e queria celebrar. Estava procurando uma daquelas luzinhas vermelhas
que significavam prazer. Uma mulher maternal abriu a porta, mas uma mulher
maternal cujos olhos frios deslocavam-se quase que imediatamente para os
sapatos do homem, pois a partir deles ela julgava quanto ele podia pagar pelo
prazer. A seguir, para a sua própria satisfação, os olhos repousavam por um
instante nos botões da calça. Rostos não lhe interessavam. Ela passava a vida
lidando exclusivamente com aquela região da anatomia dos homens. Os seus olhos
grandes, ainda radiantes, tinham um jeito penetrante de olhar dentro das calças,
como se pudessem avaliar o peso e o tamanho dos dotes do homem. Era um olhar
profissional. Ela gostava de formar os pares com mais acuidade do que outras mães
da prostituição. Ela sugeria certas combinações. Era uma especialista, como um
provador de luvas. Ela conseguia medir o cliente mesmo através das calças e
empenhava-se em conseguir para ele a luva perfeita, um encaixe bem-feito. Não
se obtinha prazer se havia muito espaço, nem se a luva era apertada demais. Maman achava que as pessoas
hoje em dia não sabiam o bastante sobre a importância do encaixe. Ela gostaria
de ter disseminado o conhecimento que possuía, mas homens e mulheres estavam
cada vez mais descuidados, eram menos exigentes do que ela. Hoje em dia, se um homem
se encontrava flutuando dentro de uma luva larga demais, movendo-se como se
dentro de um apartamento vazio, fazia o melhor que podia. Deixava o membro
adejar por ali como uma bandeira, e saía sem o verdadeiro enlace apertado que
aquecia as entranhas. Ou o enfiava com saliva, forçando como se estivesse
tentando enfiar-se por baixo de uma porta fechada, espremido pelos arredores estreitos
e encolhendo-se ainda mais só para ficar ali. E se acontecia de a garota rir
folgadamente de prazer ou fingindo prazer, ele era imediatamente expelido, pois
não havia espaço livre para a dilatação do riso. As pessoas estavam perdendo o
conhecimento das boas combinações. Foi só depois de cravar os olhos nas calças
do basco que Maman o
reconheceu e sorriu. O basco, é verdade, compartilhava com Maman a paixão pelas nuances,
e ela sabia que ele não era fácil de agradar. Tinha um membro caprichoso.
Confrontado com uma vagina de caixa de correspondência, ele revoltava-se.
Confrontado com um tubo constritivo, ele recuava. Era um connoisseur, um gourmet de porta-joias
femininos. Gostava deles forrados de veludo e aconchegantes, afectuosos e
aderentes. Maman deu-lhe
uma olhada mais prolongada do que a normalmente destinada aos outros clientes.
Ela gostava do basco, e não era por causa do perfil de nariz curto, clássico,
dos olhos amendoados, do cabelo negro lustroso, do andar deslizante e suave, dos
gestos casuais. Não era por causa do lenço vermelho e do boné assentado sobre a
cabeça num estilo de malandro. Não era por causa dos modos sedutores com as
mulheres. Era por causa do pendentif majestoso, do nobre
volume, da receptividade sensível e infatigável, da afabilidade, cordialidade,
expansibilidade daquele pingente. Ela jamais vira um como aquele. O basco às
vezes o colocava em cima da mesa como se estivesse depositando um saco de
dinheiro, dava pancadinhas com ele como se para pedir a atenção. Tirava-o para
fora naturalmente, como outros homens tiram o casaco quando estão com calor.
Ele dava a impressão de que a coisa não ficava à vontade trancada, confinada,
que era para ser exibida, admirada.
Maman
entregava-se
continuamente ao hábito de olhar os dotes dos homens. Quando saíam dos urinoirs, terminando de se
abotoar, ela tinha a sorte de pegar o último relance de um membro dourado, ou
moreno-escuro, ou de ponta estreita, seu preferido. Nos bulevares, com frequência
era gratificada com a visão de calças mal-abotoadas, e seus olhos, dotados de
visão aguçada, conseguiam penetrar pela abertura velada. Melhor ainda era se
ela pegava um vagabundo aliviando-se contra a parede de algum prédio, segurando
o membro pensativamente na mão, como se fosse a sua última moeda de prata». In
Anais Nin, A Fugitiva, L&PM Pocket, Brasil, 2012, ISBN 978-852-542-654-3.
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