A
Mulher que Amou Jesus
«(…) A luz do dia inundou o lado
oriental do céu e Maria acordou a pestanejar. A sua família já estava de pé e
movimentava-se, dobrando as mantas e começando a desarmar a tenda. Sentia-se
meio atordoada, como se não tivesse dormido. E quando empurrou o capote que a
cobria, sentiu o objecto que segurava na mão. Confusa, num primeiro momento,
segurou-o e examinou-o. Tinha ainda uma ligeira camada de terra, como um véu
que esconde a nudez de uma bela mulher; mas, brilhando através do seu aspecto
fosco, havia um rosto, um rosto de rara beleza. Um ídolo! Exactamente como
dissera o seu pai: ela sabia-o, mesmo sem nunca ter visto um. E deves
afastar-te dele!, tinha dito também. Em vez disso, ela não conseguia tirar os
olhos dele. O objecto atraía-a, obrigando-a a olhá-lo. Os olhos sonhadores,
semiabertos; os lábios sensuais, com um sorriso que era uma curva; o cabelo
espesso, puxado para trás, revelando um pescoço fino como um ceptro de
marfim... Marfim. Sim, era disso que aquele..., ídolo..., era feito. Era
amarelado e tinha, inclusive, algumas manchas castanhas, mas era de marfim, de
uma cor creme quase translúcida. Por isso é que era leve e delicado e não era
pontiagudo nas extremidades. Quem és tu?, perguntou Maria, olhando nos seus
olhos. Há quanto tempo estavas enterrado ali? O seu pai veio em busca dos
alforges, que estavam ao seu lado e, rapidamente, ela escondeu o objecto sob o
cobertor. Está na hora de partir, disse ele, bruscamente, abaixando-se. Maria reabriu
os olhos, fingindo que acabara de acordar. Caminhando lentamente ao lado do
burro, agora era a sua mãe que o montava, Maria tacteava a sua nova posse, que
tinha enfiado na longa tira de pano que lhe servia de cinto. Sabia que o devia
ter mostrado logo ao pai, mas não quis fazê-lo. Queria guardá-lo. Sabia que ele
a obrigaria a atirá-lo fora e, provavelmente, com uma praga. Maria queria
protegê-lo.
Por volta do meio-dia, quando o
sol estava mais quente, tiveram de seguir por um desvio para não passarem por
um poço guardado por samaritanos. Novamente, repetiram-se as ameaças e
zombarias que os peregrinos tentaram ignorar. Foi bom terem podido servir-se
dos poços onde tinham acampado. Ficariam somente mais uma noite na Samaria;
teriam de encontrar somente mais alguns poços para acampar. E pensar que foram
os nossos antepassados que cavaram estes poços, e agora nem temos o direito de
beber deles! Queixou-se Eli. Por toda esta terra fora existem poços que, na
verdade, deviam pertencer-nos! Paz, Eli, disse Natan. Talvez algum dia tudo
isso volte para os seus donos legítimos. Ou talvez os samaritanos voltem para a
verdadeira religião. Eli olhava em volta, com repugnância. Não conheço
escritura alguma que profetize isso. Deve estar iá algures, disse Silvanus, que
nessa manhã ficara próximo da família. Tudo parece estar lá. Possuem uma
riqueza de promessas, desde o Messias até à questão dos poços. O problema é
saber interpretá-las. Parece que Javé não quis que as suas mensagens fossem
facilmente compreendidas pelos seus seguidores». In Margaret George, A Paixão de
Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
Cortesia de
SdeEmergência/JDACT