Merit-Neit, a primeira faraó do Egipto?
Uma rainha ao
leme
«(…) As escavações arqueológicas
revelaram várias sepulturas de mulheres das primeiras dinastias: rainhas, mães
de reis ou personalidades da corte; estas descobertas provam o respeito pela
mulher e ao mesmo tempo a sua eminente posição nas altas esferas do Estado. Uma
destas rainhas, esposa do último faraó da segunda dinastia (cerca de 2700
a.C.), merece especial menção: Ny-Hepet-Maat, o leme pertence a Maat,
considerada como a antepassada da terceira dinastia. Embora nada saibamos a seu
respeito, o seu nome é revelador. Se por vezes referimos o carro do Estado, os
egípcios preferiam dizer o navio do Estado, pois o Nilo era o rio nutriente e a
grande via de circulação. O facto de uma rainha ser considerada o leme,
demonstra que é capaz de orientar correctamente o barco. É sobretudo assimilada
à deusa Maat, a base da civilização egípcia. Podemos traduzir a palavra Maat por Ordem,
desde que nela incluamos as ideias de ordem universal, de harmonia cósmica, de
eterno equilíbrio do universo, de justiça celeste que inspira a justiça humana,
de rectidão, de solidariedade entre os seres vivos, de verdade, de justa
repartição dos deveres, de coesão social, de sabedoria. Maat tem na cabeça uma
pluma, a rectriz, que permite dirigir o voo das aves; é também ela que inspira
a acção quotidiana do faraó. De facto, o seu primeiro papel consiste em colocar
Maat no lugar da
desordem e da injustiça, lutando contra os defeitos inerentes ao ser humano: o
esquecimento, a preguiça, o desinteresse pelos outros, a teimosia cega e a
avidez. O faraó deve dizer e fazer Maat,
para que o Estado seja o reflexo justo da harmonia cósmica. Por isso, como
Assmann demonstrou, o faraó, súbdito de Maat e servo do seu povo, não pode ser um tirano e
deve proteger o fraco contra o forte e combater as trevas, é o vínculo que
assegura a coesão entre os humanos, o vínculo entre a comunidade dos homens e
os poderes criadores. Foi esta concepção grandiosa e efectiva que permitiu que
a instituição faraónica durasse três milénios. Para o historiador, a rainha
Ny-Hepet-Maat, como Merit-Neit, não passa de uma sombra fugaz; mas, graças aos
seus nomes, estas mulheres encarnam a grandeza
da aventura egípcia e fornecem-nos a chave para a sua decifração. O facto
de Maat ser uma deusa e de as rainhas do Egipto serem as suas encarnações
terrestres significa que confiavam à mulher a mais vital das responsabilidades.
Hetep-Heres, a mãe de Queops
No dia 2 de Fevereiro de 1925, a
equipa do arqueólogo americano Reisner procedia à exploração do planalto de
Gize, no grande cemitério real situado a leste da fenomenal pirâmide de Quéops
(cerca de 2589-2566 a.C.), muitas vezes chamada a Grande Pirâmide. Aí se
encontram também três pequenas pirâmides de rainhas cujas capelas de culto,
abertas sobre a face oriental, dão para uma alameda. Nesse dia, o fotógrafo da
expedição decide instalar-se na extremidade setentrional da alameda para tirar
fotografias. Como qualquer bom profissional, prepara cuidadosamente o material
e assenta o tripé de maneira a estabilizá-lo, uma operação mil vezes repetida,
um acto rotineiro. Mas desta vez encontrou um pequeno obstáculo, pois um dos
pés enterrou-se numa cavidade. O técnico deparou-se então com uma camada de
gesso. Tratava-se, evidentemente, de uma obra humana, uma espécie de ardil
destinado a imitar o solo rochoso. Os escavadores encontraram uma trincheira
rectangular obstruída por pequenos blocos de calcário que escondiam uma escada
prolongada num túnel que conduzia a um poço, também obstruído por pedras. A
excitação aumentou: tratar-se-ia de uma sepultura inviolada? A quem pertenceria?
Depois de desobstruírem o poço,
os escavadores acederam a um nicho contendo ânforas, o crânio e as patas de um
touro embrulhadas em redes: uma oferenda que mitigaria a sede do proprietário
da sepultura, que também dispunha do poder criador do touro. A 8 de Março de
1925 chegou-se à câmara funerária, uma pequena sala talhada na rocha. Uma
sala... inviolada!
O
tesouro da rainha, mãe do rei
A
25 m da superfície do solo encontrava-se, pois, uma sepultura secreta a que
nenhum salteador tivera acesso. A presença de um sarcófago levava a crer que
haviam descoberto uma múmia, mas estava vazio. Passada a decepção, contemplaram
os múltiplos objectos contidos na sepultura, cujo exame exigiu 1500 páginas de
notas e 1700 fotografias. O nome da legítima ocupante do local era Hetep-Heres,
que provavelmente significa o faraó é plenitude graças a ela. Uma grande
personalidade, visto que era esposa do faraó Snefru e a mãe do construtor da Grande
Pirâmide». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002,
ISBN-978-972-413-062-0.
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