«(…) Era Lusbuna que o chamava? Que segredos esconderia a Porta
majestosa? Assomava-se-lhe convidativa, dava-lhe a entender que se abriria,
fosse ele suficientemente corajoso para se aproximar dela... Konrad! Deu-se
conta da voz alarmada de Hadwig: enlouqueceste ou quê? Não te ponhas ao alcance
dos besteiros mouros, homem! São conhecidos pela sua pontaria. Konrad virou a
cabeça. O amigo estacara a umas trinta jardas dele, não se atrevia a avançar
mais e insistia aflito: anda daí, antes que te espetem uma seta na barriga! Foi
ao encontro de Hadwig, que suspirou de alívio e, achando que ele andava lento
demais, o puxou colina acima, até alcançarem os outros, que seguiam agora para
norte. Desceram até à ribeira que rodeava a próxima colina pelo poente,
atravessaram-na e, em plena encosta, escondida atrás de umas silvas, lá estava
a entrada para a tal matamorra. Quando nela entrou, Konrad arregalou os olhos.
Os portugueses não tinham exagerado. Encontravam-se
ali várias cargas de trigo e cevada, cântaros enormes de azeite, uvas-passas e
figos secos. Estes últimos impressionaram especialmente os cruzados, pois nas
suas terras os figos, assim como as laranjas que tinham visto nos pomares, eram
raridades caras, só servidas às mesas de reis e fidalgos. Quanta riqueza,
murmuravam os homens. Novamente cá fora, Konrad perguntou a Hadwig: também
estás impressionado? Aqui há alimentos que cheguem para meses. Achas que nos
podemos alimentar só de uvas-passas e figos? Os grãos só nos são úteis
transformados em pão, assim só servem para dar às galinhas. E o que é que
fazemos com o azeite? Bebemo-lo? Nós passámos por muitas aldeias, onde existem
moinhos e fornos. Lá terias o teu pão fresco. E no rio há peixe com fartura,
que certamente sabe bem frito em azeite. Quem é que pensa aqui em comida?,
atirou Gunther, que acabara de sair do depósito. Se os habitantes dessa Lisbona
guardam coisas tão preciosas fora das suas muralhas, o que não haverá lá
dentro? É isso mesmo, concordou um outro companheiro. Os portugueses dizem que
os mouros têm caves em casa, onde
guardam tesouros. A cidade brilha, está cheia de tesouros, gritaram vários. Temos
que ir buscá-los! Valha-vos Deus, vociferou Konrad. Acaso esqueceis que nem
mesmo o rei admitiu saber quão ricas são as gentes de Lisbona?
Mas
sabemos todos que os infiéis têm jeito para o comércio, atalhou um outro. E
também lá vivem muitos judeus, acrescentaram uns quantos. Konrad tentava
lembrar-lhes que em toda a Cristandade viviam judeus, não era uma novidade de
Lusbuna, mas a sua voz foi engolida pelas outras: não esqueçamos as salinas! Não
é o sal tão valioso como ouro? Ouro em pó encontraremos nós na areia, gritou
Gunther. Assim como ela brilha! Sim, concordaram vários, ouro, à mão de semear!
Enquanto os homens vociferavam esgazeados, Konrad perguntou a Hadwig: mas que
bicho lhes mordeu? Imaginam eles tudo isso, ou têm razão? Quem sabe? Já
ouvistes?, guinchou um soldado, que acabava de se juntar ao grupo. Os
portugueses e os ingleses acham que
Lisbona esconde um tesouro enorme! Temos que entrar nessa cidade e procurar o
tesouro! Konrad resolveu novamente intervir: o rei português não quer ouvir
falar de nenhum saque. E depois? Como é que ele nos poderá impedir de saquear a
cidade, assim que os mouros estejam derrotados? É isso mesmo. Porque é que
haveríamos de nos aventurar numa viagem perigosa, durante meses, se tudo com o
que sonhamos está aqui ao nosso alcance? Fiquemos aqui! Conquistemos essa
Lisbona!» In Cristina Torrão, A Cruz de
Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT