sábado, 20 de abril de 2019

A Cidade Perdida. James Rollins. «Tudo culpa minha... Choro e gritos encheram de novo a sua mente, fundindo-se com as sirenes do presente»

Cortesia de wikipedia e jdact

The British Museum. Londres. 14 de Novembro
«(…) Um ribombar surdo passou pelo edifício do apartamento e afastou-se. As vozes das equipas de emergência trouxeram-na de volta à sua cama, de volta ao presente. Ela estava em Londres, não em Telavive. O ar longamente reprimido escapou-se. Lágrimas subiram-lhe aos olhos. Limpou-as com dedos trémulos. Ataque de pânico. Sentou-se enrolada na colcha da cama por mais algumas arfadas. Ainda sentia vontade de chorar. Era sempre assim, dizia a si própria, mas as palavras não ajudavam. Cingiu a colcha de lã em volta dos ombros, os olhos fechados, o coração a martelar nos ouvidos. Praticou os exercícios de respiração e tranquilização ensinados pela terapeuta. Inalar em dois tempos, exalar em quatro. Deixou que a tensão se esvaísse em cada movimento. A sua pele fria aqueceu gradualmente. Alguma coisa com peso aterrou na sua cama. Um som ténue acompanhou-a. Como uma dobradiça a chiar. Estendeu uma mão, acolhida por um ronronar de agrado. Anda cá, Billie, sussurrou ao persa negro anafado.
Billie encostou-se à palma da sua mão e roçou a base do focinho pelos dedos de Safia, depois desmoronou simplesmente sobre as coxas dela como se os fios invisíveis que sustentavam o gato tivessem sido cortados. As sirenes deviam tê-lo perturbado da habitual ronda nocturna pelo apartamento. O suave ronronar continuou no colo de Safia, um som de satisfação. Isso, mais do que os exercícios de respiração, relaxou-lhe os músculos dos ombros. Só então notou o arquear cauteloso das suas costas, como que receando um golpe que nunca chegara. Forçou-se a endireitar a postura, alongando o pescoço. As sirenes e a agitação continuavam a meio quarteirão do seu apartamento. Ela precisava de se pôr de pé, de descobrir o que estava a acontecer. Qualquer coisa, simplesmente para se mexer. O pânico transformara-se em energia nervosa. Moveu as pernas, com cuidado para fazer deslizar Billie para a colcha da cama. O ronronar interrompeu-se por um instante, depois recomeçou quando ficou claro que não estava a ser expulso. Billie nascera nas ruas de Londres, criatura dos becos, uma mistura selvagem de pêlo emaranhado e fúria. Safia encontrara o gatinho estatelado e ensanguentado à entrada do edifício de apartamentos, com uma perna partida, coberto de óleo, atingido por um carro. Apesar da sua ajuda, ele tinha-a mordido na parte carnuda do polegar. Os amigos disseram-lhe que levasse o gatinho para o abrigo de animais, mas Safia sabia que tal lugar não era melhor que um orfanato. Assim, recolheu-o numa fronha de almofada e transportou-o até a clínica veterinária local.
Teria sido fácil passar ao lado dele nessa noite, mas já estivera tão abandonada e só como o gatinho. Alguém também a recolhera nessa altura. E tal como Billie, ela fora domesticada, mas nenhum deles acabara completamente domado, preferindo os lugares selvagens e o esquadrinhar pelos cantos perdidos do mundo. Mas tudo isso terminara com uma explosão num resplandecente dia de Primavera. Tudo culpa minha... Choro e gritos encheram de novo a sua mente, fundindo-se com as sirenes do presente. Respirando com dificuldade, Safia procurou o candeeiro de cabeceira, uma pequena réplica Tiffany representando libelinhas em vitral. Premiu o interruptor do candeeiro mais algumas vezes, mas o candeeiro permaneceu apagado. Não havia electricidade. A trovoada devia ter deitado abaixo uma linha de distribuição. Talvez fosse essa a razão de toda a agitação. Que fosse tão simples quanto isso. Balançou para fora da cama, descalça, mas dentro de uma aconchegante camisa de dormir de flanela, que lhe chegava aos joelhos. Foi até a janela e desviou os estores para espreitar para a rua em baixo. O seu apartamento ficava no quarto andar». In James Rollins, A Cidade Perdida, Bertrand Editora, 2015, ISBN 978-972-252-930-3.

Cortesia de BertrandE/JDACT