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Nota:
«Em todo o momento de actividade
mental acontece em nós um duplo fenómeno depercepção: ao mesmo tempo que tempos
consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os
sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo
por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior
num determinado momento da nossa percepção.
Todo o estado de alma é uma
passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma
paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a
matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto
dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E, mesmo que se não
queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem, pode ao menos
admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu
disser Há sol nos meus pensamentos, ninguém compreenderá que os meus
pensamentos são tristes.
Assim, tendo nós, ao mesmo tempo,
consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma
paisagem, tempos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas
paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja
ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo, num dia de sol uma
alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva, e, também, a
paisagem exterior sofre do nosso estado de alma, é de todos os tempos dizer-se,
sobretudo em verso, coisas como que na ausência da amada o sol não brilha,
e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a
realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior
e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas
paisagens. Tem de ser duas paisagens, mas pode ser, não se querendo admitir que
um estado de alma é uma paisagem, que se queira simplesmente interseccionar um
estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...]
Abat-Jour
«A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma beleza
Sobre o chão que é meu.
No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.
E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.
Bem sei... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!
E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até
de sonhar...»
In Fernando Pessoa, Cancioneiro
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