sexta-feira, 19 de abril de 2019

A Herança de Judas. James Rollins. «Eu guardarei segredo, prometeu por fim. Até ao meu leito de morte e além. É o que eu juro, meu pai…»

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1293. Meia-noite. Ilha de Sumatra, Sueste Asiático
«(…) Os únicos sinais de sua intromissão eram os crânios, entrançados através das órbitas oculares com trepadeiras e pendurados dos galhos das árvores, protegendo contra uma invasão ou incursão mais profunda. A doença mantivera os selvagens à distância. Mas não por mais tempo. Com a fogueira cruel, a doença fora afinal vencida, deixando apenas aquele punhado de sobreviventes. Aqueles que não exibiam os vergões vermelhos. Sete noites atrás, os enfermos restantes haviam sido conduzidos acorrentados aos navios ancorados, abastecidos com água e comida. Os outros haviam ficado na praia, atentos a qualquer sinal de novos casos da doença entre eles. O tempo todo, os que haviam sido banidos para os navios gritaram através das águas, implorando, chorando, rezando, amaldiçoando e dando berros estridentes. Porém, o pior era a gargalhada ocasional, incitada pela loucura. Teria sido melhor ter cortado a garganta deles com um punhal misericordioso e rápido, mas todos receavam tocar o sangue dos enfermos. Por isso eles haviam sido enviados para os navios e aprisionados com os que já estavam mortos ali. Então, quando o sol se pôs naquela noite, um brilho estranho apareceu na água, acumulado em torno das quilhas de dois barcos, espalhando-se sobre as águas negras e paradas como leite derramado. Eles já tinham visto o brilho antes, nos tanques e canais sob as torres de pedra da cidade amaldiçoada da qual haviam fugido. A doença procurava escapar de sua prisão de madeira. Ela não lhes deixara escolha. Os navios, todas as galeras, excepto a que fora reservada para a partida deles, foram incendiados.
Masseo, o tio de Marco, andou por entre os homens que sobreviveram. Acenou para que eles voltassem a cobrir a sua nudez, mas um simples pano e lã tecida não podiam encobrir sua vergonha mais profunda. O que nós fizemos..., disse Marco. Nós não devemos falar sobre isso, respondeu o pai, e estendeu uma túnica na sua direcção. Diga uma palavra que seja sobre peste, e todos os países nos evitarão. Nenhum porto nos deixará entrar nas suas águas. Mas agora queimamos completamente o que restava da doença com um fogo que purificou a nossa frota e as águas. Temos apenas de voltar para casa. Enquanto Marco vestia a túnica, seu pai notou o que o filho havia desenhado antes na areia com uma vara. Contraindo os lábios, o pai rapidamente desfez o desenho com um dos calcanhares e encarou o filho. Città dei Morti. Um olhar suplicante fixou-se no seu rosto. Nunca, Marco... nunca...
Mas a lembrança não podia ser desfeita tão facilmente. Ele havia servido ao Grande Khan como erudito, emissário e até cartógrafo, mapeando os muitos reinos que este conquistara. Seu pai voltou a falar: ninguém jamais deve saber o que nós descobrimos..., é uma coisa amaldiçoada. Marco fez um aceno positivo de cabeça e não comentou sobre o que desenhara. Apenas sussurrou: Città dei Morti. A fisionomia de seu pai, já pálida, empalideceu ainda mais. Porém, Marco sabia que não era só a praga que amedrontava seu pai. Jure para mim, Marco, insistiu ele. Marco ergueu o olhar para o rosto enrugado do pai. Naqueles quatro últimos meses, ele havia envelhecido tanto quanto durante as décadas passadas com o Khan em Shangdu. Jura para mim, pelo abençoado espírito da tua mãe, que jamais voltarás a falar sobre o que nós descobrimos e fizemos. Marco hesitou. Uma mão segurou o seu ombro, apertando até ao osso. Jura para mim, meu filho, para o seu próprio bem. Ele reconheceu o terror reflectido nos olhos do pai, iluminados pelo fogo..., e a súplica. Marco não pôde recusar. Eu guardarei segredo, prometeu por fim. Até ao meu leito de morte e além. É o que eu juro, meu pai. O tio de Marco finalmente se juntou a eles, ouvindo por acaso o juramento do rapaz». In James Rollins, A Herança de Judas, 2007, Bertrand Editora, 2018, ISBN 978-972-252-977-8.

Cortesia de BertrandE/JDACT