terça-feira, 9 de abril de 2019

Poesia. Fernando Pessoa. «Cada dia me traz com que ‘sperar o que dia nenhum poderá dar. Cada dia me cansa de Esperança... Mas viver é ‘sperar e se cansar

Cortesia de wikipedia e jdact

A pálida luz da manhã de Inverno
«A pálida luz da manhã de Inverno,
O cais e a razão
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,
Para o meu 'sperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar».

A 'sperança, como um fósforo inda aceso
«A 'sperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.

Cada dia me traz com que ‘sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança...
Mas viver é ‘sperar e se cansar.

O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança e gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.

Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado».

A tua voz fala amorosa...
«Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo Verão,

Ou, sendo Inverno, baste 'star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não.

Qual é a mão cariciosa
Que há-de ser enfermeira minha
Sem doenças minha vida ousa
Oh, essa mão é morta e osso...
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso».
In Fernando Pessoa, Poesias Inéditas

Cortesia de Wikipedia/Secrel/FPesso/JDACT