segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

A Biblioteca Perdida. A. M. Dean. «O que quer de mim? É só isso, respondeu Cole. Não quero nada. Isto não é um interrogatório nem um sequestro. O que é então?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A estranha sensação que Emily sentira correndo pela sua pele agora tinha sido substituída por verdadeiros arrepios. Um assassinato no campus do Carleton College era algo inaudito. Mas o assassinato de um colega… O efeito da notícia combinou choque a uma espécie muito genuína de medo. Ele foi perseguido no corredor, acrescentou Aileen. Encontraram sangue do lado de fora do gabinete dele. Eu não vi por dentro. A voz dela fraquejou. Ela olhou para Emily. Você não notou a presença da polícia no campus? Emily estava entorpecida com a notícia. Ela tinha visto viaturas da polícia quando estacionava o seu carro antes da aula da manhã, mas não tinha dado muita atenção ao facto. A polícia não era uma presença totalmente incomum num campus universitário. Eu…, eu não tinha ideia do motivo, respondeu, e depois de uma pausa indagou: Porque Arno? Ela não conseguia imaginar mais nada que pudesse perguntar. Não é essa a questão que me preocupa. A voz dessa vez, tímida e amedrontada, vinha da colega de Emily, historiadora das religiões, Emma Ericksen. E qual é a questão?, perguntou Emily. A questão que me preocupa é, se um de nossos colegas foi atacado e morto bem aqui no campus, quem será o próximo?

Do lado de fora da sala de reuniões número 26H, D. Burton Gifford entregou a sua maleta a um serviçal e lançou-lhe um olhar que deixava claro que não queria ver ninguém após a reunião deles naquela manhã. Ficando de lado enquanto os outros homens saíam da sala e se afastavam pelo corredor em direcção à saída, ignorou os vários avisos de Proibido Fumar, tirou um Pall Mall sem filtro de uma cigarreira no bolso da camisa e acendeu-o. Trabalhara, por dois anos, como conselheiro no comité de política externa do presidente, desde que o grande homem assumira o cargo. Era um leal servidor do trabalho do presidente no Médio Oriente, mesmo que o chefe da nação não concordasse com suas ideias de uma política mais agressiva, mais negociadora, no trabalho de reconstrução pós-guerra naquela região. Tornara-se um dos mais influentes conselheiros do chefe de estado, definindo políticas e também assegurando que o presidente sempre soubesse diferenciar os amigos dos inimigos. A experiência de Gifford era em negócios, e os negócios não eram nada mais que um mundo de redes. Gostava de pensar que o presidente estava conectado, ou não conectado, em virtude da sua sabedoria e influência. E ele não estava totalmente errado. Era o homem que tinha os contactos; o presidente era apenas a voz moral que escolhia as ligações correctas.
Sem ser visto, às sombras, um homem chamado Cole aguardava em pé, imóvel. Seu rosto exibia uma expressão de ódio pelo imponente e arrogante comerciante de poder, que se encaixava perfeitamente no estereótipo do sujeito rico, dominador e influente. Inchado tanto fisicamente quanto no seu ego, Gifford ignorava tudo o que não considerava relevante para os seus próprios desígnios. Esse era um defeito pelo qual ele iria pagar hoje. No corredor vazio, Gifford puxou uma longa inspiração, com o cigarro pendurado nos seus lábios enquanto usava as mãos para alinhar o casaco. Tirando vantagem dessa distracção e também daquele posicionamento vulnerável, Cole escolheu esse momento para sair do escritório e avançar no corredor. Num único e suave movimento, agarrou o corpulento homem pelos pulsos e o forçou a entrar de novo na sala de reuniões. Que diabos está fazendo?, Gifford perguntou, espantado, o cigarro caindo da sua boca. Fique quieto e as coisas serão mais fáceis, respondeu Cole. Manteve Gifford numa chave de braço com a sua mão esquerda enquanto fechava a porta atrás de si com a direita.
Agora sente-se aí, disse ele, empurrando Gifford para uma das recém-desocupadas poltronas de couro ao redor da longa mesa de reuniões. Gifford estava indignado. Aquele homem insubordinado não apenas o havia tratado com brutalidade, mas também torcido o seu pulso. Enfurecido, trouxe as mãos até ao peito e as esfregou, tentando aliviar a dor. já estava resmungando quando começou a virar a sua cadeira na direcção do homem que o atacara. Vou lhe dizer, meu jovem, não sou um homem que simplesmente aceita esse tipo de… Ele interrompeu o resmungo no momento em que a poltrona completou o círculo e seus olhos pousaram nas mãos de Cole. Calmamente dando as últimas voltas no silenciador para prendê-lo à sua 357 SIG Glock 32, Cole respondeu sem nem erguer os olhos. Sei exactamente quem é, sr. Gifford. Estou aqui justamente por ser quem o senhor é. A ira condescendente de Gifford desapareceu, sendo totalmente substituída por um terror desesperado. Ele não tirava os olhos da arma. O que…, o que você quer? Este momento, respondeu Cole, encaixando o silenciador na sua posição travada e soltando a trava de segurança do gatilho da Glock. Este momento é tudo o que eu quero. Não estou entendendo, disse rápido um Gifford horrorizado, instintivamente se encostando na poltrona como se esperasse encontrar algum refúgio contra a ameaça diante dele. O que quer de mim? É só isso, respondeu Cole. Não quero nada. Isto não é um interrogatório nem um sequestro. O que é então? Cole finalmente ergueu os olhos e os fixou nos olhos grandes e aterrorizados de D. Burton Gifford. É o fim. Eu…, não estou entendendo. Não, respondeu Cole, acho que não está mesmo. A conversa foi interrompida pelas três balas que ele disparou contra o coração de Gifford, o seu ombro direito facilmente absorvendo o familiar estampido da pequena arma e a longa sala ecoando muito suavemente os suaves ruídos abafados pelo silenciador. Gifford olhou embasbacado para a ténue fumaça que subia do cano da arma que há pouco descarregara a munição no seu tórax. O sangue começou a escorrer do seu coração, vazando também das feridas no seu peito e costas; Gifford desabou na cadeira. Cole ficou observando o homem dar o seu último suspiro, enquanto o corpo se curvava para a frente, mergulhado na escuridão». In A. M. Dean, A Biblioteca Perdida, 2012, Editora Prumo, 2012, ISBN 978-857-927-298-1.

Cortesia de EPrumo/JDACT