quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Assim foi Auschwitz Primo Levi. «… ora descarregando carvão ou sacos de cimento ou outras coisas ainda, todas extremamente pesadas; trabalhos que, naturalmente, eram executados ao ar livre…»

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«(…) Raramente encontrávamos lá dentro alguma fibra de carne. Como bebida, de manhã e à noite era distribuído meio litro de uma infusão de substituto de café, sem açúcar; só aos domingos vinha adoçado com sacarina. Em Monowitz havia falta de água potável; a água que havia nos lavatórios servia só para uso externo, sendo de origem fluvial e chegando ao Campo sem ser filtrada, tornando-se, por isso, altamente suspeita: tinha um aspecto límpido, mas, vista numa camada espessa, parecia amarelada; tinha um gosto entre o metal e o enxofre. Os prisioneiros eram obrigados a tomar duche duas ou três vezes por semana. Esses banhos, porém, não eram suficientes para manter a higiene pessoal, pois a quantidade de sabão que nos era dada era parcimoniosa: era distribuído apenas uma vez por mês, sob a forma de um sabonete de 50 gr. de péssima qualidade. Tratava-se de um pedaço rectangular, muito duro, desprovido de substâncias gordas, mas rico em areia, que não fazia espuma e se despedaçava com extrema facilidade, de modo que após um ou dois banhos estava totalmente consumido. Depois do banho, não havia possibilidade de secar o corpo ou de o enxugar, pois não havia toalhas; e, quando saíam do banho, os prisioneiros tinham de correr nus, independentemente da estação do ano, fossem quais fossem as condições atmosféricas e meteorológicas e a temperatura, até aos seus blocos, onde eram guardadas as roupas.
Os trabalhos atribuídos à grande maioria dos prisioneiros eram manuais e todos muito cansativos, inadequados às condições físicas e a capacidade dos condenados; poucos eram aqueles que ficavam empregados em trabalhos que tivessem alguma afinidade com a profissão ou ofício que exerciam na sua vida civil. Assim, nenhum dos dois autores deste relatório pôde alguma vez trabalhar no Hospital ou no laboratório químico da Buna-Werke, foram ambos obrigados a partilhar a sorte dos seus companheiros e tiveram de se submeter a esforços superiores às suas forças, ora cavando com pá e picareta, ora descarregando carvão ou sacos de cimento ou outras coisas ainda, todas extremamente pesadas; trabalhos que, naturalmente, eram executados ao ar livre, no Inverno e no Verão, sob neve, chuva, sol e vento, sem indumentária suficiente para se protegerem das intempéries e das baixas temperaturas. Esses trabalhos, além disso, tinham de ser efectuados a um ritmo acelerado, sem qualquer pausa, à excepção do intervalo de uma hora, do meio-dia à uma, para a refeição do almoço; ai de quem fosse surpreendido parado ou em atitude de descanso durante as horas de trabalho.

A partir desta nossa rápida descrição das modalidades de vida no Campo de concentração de Monowitz, é possível deduzir-se facilmente quais eram as doenças mais frequentes que atingiam os prisioneiros e as suas respectivas causas. A classificação pode ser feita nos seguintes grupos:

1) doenças distróficas;
2) doenças do sistema gastrointestinal;
3) doenças devidas ao frio;
4) doenças infecciosas gerais e cutâneas;
5) doenças cirúrgicas;
6) doenças de trabalho.

Doenças distróficas. Se do ponto de vista quantitativo a alimentação ficava muito aquém do necessário, do ponto de vista qualitativo era desprovida de dois importantes factores: as gorduras e, principalmente, as proteínas animais, salvo os míseros vinte ou 25 gramas de salame que eram fornecidos duas ou três vezes por semana. Ademais, faltavam vitaminas. Assim se explica como essas e outras tantas carências alimentares eram o ponto de partida daquelas distrofias que atingiam quase todos os prisioneiros, desde as primeiras semanas da sua estada». In Primo Levi, Assim foi Auschwitz, 2015, Penguin Randon House Grupo Editorial, Objectiva, 2015, ISBN 978-989-877-569-6.

Cortesia de Objectiva/JDACT