Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) A minha mãe casou com o meu
pai aos doze anos. Ele tinha vinte. Estava-se em 1946 o ano em que a Segunda
Guerra Mundial interrompera a produção petrolífera, O petróleo, a força vital
da Arábia Saudita do presente, ainda não trouxera, na altura, grande riqueza à
família de meu pai, os AISaud, no entanto o impacto que tinha sobre os seus membros
fazia-se sentir em pequenos pormenores. Os chefes das grandes nações haviam
começado a prestar vassalagem ao nosso rei. Winston Churchill, o primeiro-ministro
inglês, presenteara o rei Abdul Aziz com um luxuoso Rolls Royce. Verde-metalizado,
com um banco traseiro que fazia lembrar um trono: o automóvel refulgia como uma
jóia ao sol. Apesar de imponente, algo no automóvel o desiludiu nitidamente,
pois o rei ofereceu-o, depois de o inspeccionar, a Abdullah, um dos seus irmãos
preferidos. Abdullah, que era tio e amigo chegado de meu pai, colocou-lhe o
automóvel à disposição para a sua viagem de lua-de-mel a Gidá. Ele aceitou,
para grande deleite de minha mãe, que nunca conhecera semelhante meio de
transporte. Em 1946 deixando para trás séculos incontáveis , o camelo era o
meio de transporte habitualmente usado no Médio Oriente. Passar-se-iam três décadas
antes de o saudita médio trocar o dorso de um camelo pelo conforto de um automóvel.
Assim, os meus pais atravessaram alegremente o deserto, durante sete dias e
sete noites, até chegarem a Gidá. Malogradamente, o meu pai, na sua pressa em
partir de Riade, esquecera-se da sua tenda; este descuido e a presença
constante de vários escravos levou a que o seu casamento só fosse consumado
depois de chegarem a Gidá.
Aquela viagem poeirenta e
cansativa tornou-se uma das recordações mais felizes de minha mãe. Depois dela,
dividiu sempre a sua vida entre a altura anterior à viagem e a altura a seguir à
viagem. Em certa ocasião, disse-me que a viagem representara o fim da sua juventude,
pois era demasiado nova para compreender o que a esperava no final da longa
deslocação. Seus pais haviam morrido durante uma epidemia de febre, deixando-a órfã
aos oito anos. Aos doze casara com um homem temperamental, propenso a
crueldades tenebrosas. Não estava preparada para fazer outra coisa na vida que
não fosse servi-lo. Após uma breve estada em Gidá, meus pais regressaram a
Riade, pois era aí que a família patriarcal dos AISaud dava continuidade à sua
dinastia. O meu pai revelou-se um homem impiedoso, e, como não podia deixar de
ser, minha mãe tornou-se uma mulher melancólica. A sua união trágica acabou por
dar origem a dezasseis filhos, dos quais onze sobreviveram a infâncias
perigosas. Hoje, as suas dez filhas levam vidas controladas pelos homens com
quem casaram. O único filho sobrevivente, um importante príncipe e homem de negócios
saudita com quatro esposas e numerosas amantes, leva uma vida de grande fausto
e prazer.
As minhas leituras levaram-me a
saber que sucessores mais civilizados de culturas antigas sorriem diante da
ignorância dos seus antepassados, à medida que a civilização avança, o medo da
liberdade individual é ultrapassado pelo esclarecimento. A sociedade humana apressa-se,
ansiosamente, a ir ao encontro do saber e da mudança. Surpreendentemente, na
terra dos meus antepassados pouco mudou desde há um milhar de anos. É certo que
surgiram edifícios modernos, os cuidados de saúde mais avançados estão à disposição
de todos, no entanto a consideração pelas mulheres e pela sua qualidade de vida
continua a ser alvo de um encolher de ombros displicente. É incorrecto, porém,
atribuir à nossa fé islâmica a responsabilidade pela posição subalterna que a
mulher ocupa na nossa sociedade. Embora o Alcorão determine que a mulher vem a
seguir ao homem, muito à semelhança da Bíblia, em que o homem é autorizado a exercer
o seu domínio sobre a mulher, o nosso profeta Maomé só preconizou o bem e a
justiça para quem pertence ao meu sexo. Os homens que vieram depois de Maomé é que
preferiram seguir os costumes e tradições da Idade das Trevas, em vez de seguirem
as palavras e o exemplo do Profeta. Este desprezava a prática do infanticídio,
um costume vulgar no seu tempo, segundo o qual as famílias se livravam das
meninas indesejadas. As próprias palavras do Profeta transmitem veementemente a
sua preocupação perante a possibilidade de as mulheres serem alvo de maus
tratos e indiferença: que Deus conceda o Paraíso a quem teve uma filha e não a
enterrou viva nem a desprezou ou preferiu os filhos varões a ela». In Jean Sasson, A Vida
Secreta das Princesas Árabes, 2012, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-674-1.
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