Cortesia
de wikipedia e jdact
A
Casa Azul na rua Londres
«(…)
A história de Frida Kahlo começa e termina no mesmo
lugar. Vista do lado de fora, a casa na esquina das ruas Londres e Allende é
muito parecida com outras casas em Coyoacán, antigo distrito residencial nos
arredores da periferia sudoeste da Cidade do México. Estrutura de um único
andar em estuque, paredes pintadas num vivo tom de azul e alentadas por janelões
quadriculados, venezianas verdes e a incansável sombra das árvores, exibe o
nome Museo Frida Kahlo sobre o portal. Do lado de dentro, um dos lugares
mais extraordinários do México, a casa de uma mulher, com todas as suas
pinturas e pertences, convertida em museu.
A entrada é guardada
por dois gigantescos bonecos de Judas em papel machê, figuras de quase seis
metros de altura gesticulando entre si como se entretidas conversando. Passando
por elas, o visitante entra num jardim com plantas tropicais, fontes e uma
pequena pirâmide enfeitada com ídolos pré-colombianos. O interior da casa é notável
pela sensação de que a presença dos seus antigos moradores anima todos os objectos
e quadros em exibição. Ali estão a paleta e os pincéis de Frida, como se ela
tivesse acabado de pousá-los sobre a mesa de trabalho. Ali, junto à cama, estão
o chapéu Stetson de Diego Rivera, seus macacões e as suas enormes botinas de
minerador. No canto, ao lado da enorme cama de cuja janela se avistam as ruas
Londres e Allende, há um armário com portas de vidro que guarda o colorido
traje típico da região de Tehuantepec usado por Frida. Em cima do armário, as
palavras Aquí nació Frida Kahlo el día 7 de julio de 1910 (Aqui nasceu
Frida Kahlo, no dia 7 de Julho de 1910), inscritas quatro anos depois da morte
da artista, quando a casa se tornou um museu público. Outra inscrição adorna a
parede vermelha e azul do pátio: Frida y Diego vivieron en esta casa
1929-1954 (Frida e Diego viveram nesta casa 1929-1954). Ah!, pensa o
visitante. Que circunscrição precisa! Aqui estão os três factos mais
importantes da vida de Frida Kahlo, o seu nascimento, seu casamento e sua morte.
O único problema é
que nenhuma das inscrições é exactamente verdadeira. A rigor, conforme atesta a
sua certidão de nascimento, Frida nasceu em 6 de Julho de 1907. Talvez optando
por uma verdade mais estrita do que o facto permitiria, ela escolheu nascer em
1910, ano da eclosão da Revolução Mexicana. Uma vez que era filha da década
revolucionária, quando as ruas da Cidade do México estavam coalhadas de caos e
derramamento de sangue, Frida decidiu que ela e o México moderno haviam nascido
no mesmo ano. A outra frase no Museu Frida Kahlo alardeia uma visão ideal e
sentimental do casamento e do lar Kahlo-Rivera. Mais uma vez, a realidade era
diferente. Antes de 1934, quando o casal regressou para o México depois de um
período de residência de quatro anos nos Estados Unidos, Frida e Diego viveram
apenas por um breve período na casa de Coyoacán. De 1934 a 1939, moraram num
par de casas construídas para eles no distrito residencial de San Ángel. Depois
disso, houve longos períodos em que Diego, preferindo a independência do seu estúdio
em San Ángel, não viveu sob o mesmo tecto que Frida, sem mencionar o ano em que
os dois se separaram, se divorciaram e por fim se casaram novamente. Assim, as
duas inscrições são adornos da verdade. Como o próprio museu, elas são parte da
lenda de Frida.
Quando Frida nasceu,
a casa de Coyoacán tinha apenas três anos de existência. Seu pai a construíra
em 1904, num pequeno pedaço de terra por ele adquirido quando a fazenda El Carmen
foi dividida em lotes e vendida. Mas as pesadas paredes da casa, a estrutura de
um único andar, o telhado plano e a planta em forma de U, com quartos
intercomunicáveis dando para um pátio interno em vez de corredores, conferem ao
lugar a aparência de uma edificação dos tempos coloniais. A casa fica a apenas
algumas quadras da praça central do distrito e da paróquia de São João Baptista,
onde a mãe de Frida tinha um banco especial reservado que ela e as filhas
ocupavam aos domingos. Da sua casa, Frida podia caminhar por ruas estreitas, de
paralelepípedos ou não asfaltadas, até Viveros de Coyoacán, parque florestal em
que um dos encantos é um riacho que serpenteia entre as árvores.
Quando Guillermo Kahlo construiu a casa, era um bem-sucedido fotógrafo
que recebera do governo mexicano a incumbência de registar a herança arquitectónica
do país, realização extraordinária para um homem que havia chegado ao México
sem grandes perspectivas, apenas treze anos antes. Seus pais, Jakob Heinrich
Kahlo e Henriette Kaufmann Kahlo, eram judeus húngaros de Arad, hoje parte da
Roménia, que haviam migrado para a Alemanha e se fixado em Baden-Baden, onde
Wilhelm nasceu em 1872. Jakob Kahlo era um joalheiro e ourives que também
negociava suprimentos fotográficos; quando chegou a hora, Jakob era suficientemente
abastado para ter condições de mandar o filho estudar na universidade, em Nuremberg.
Em algum momento de 1890, a promissora carreira académica de Wilhelm Kahlo
terminou antes mesmo de começar: em decorrência de uma queda que resultou em
lesões cerebrais, o jovem começou a sofrer ataques epilépticos. Mais ou menos
no mesmo período, a sua mãe morreu e o seu pai se casou em segundas núpcias com
uma mulher de quem Wilhelm não gostava. Em 1891, o rapaz, aos dezanove anos de
idade, ganhou do pai dinheiro suficiente para comprar uma passagem para o México;
Wilhelm mudou o nome para Guillermo e nunca mais voltou ao seu país natal». In Hayden
Herrera, Frida, A Biografia, 1983, tradução de Renato Marques, Editora Globo,
2011, ISBN 978-852-505-353-4.
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