domingo, 5 de janeiro de 2020

O Jogo do Leopardo. Nelson DeMille. «O Leopardo olhou para lá do complexo do templo, para a vegetação esparsa e para as poucas tamareiras. Sabia que em tempos antigos aquilo ali tinha sido muito mais verde e mais habitado»

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Marib. Iémen
«Um homem vestido com os trajos brancos de beduíno, Bulus ibn al-Darwish, conhecido também pelo nome de guerra da Al-Qaeda como Al-Numair, o Leopardo, estava ao pé do grupo de turistas belgas. Os belgas tinham chegado de Sana num minibus, quatro homens e cinco mulheres, com um motorista e o seu guia turístico iemenita, um homem chamado Wasim al-Rahib. O motorista ficara no minibus com ar condicionado, ao abrigo do sol quente de Agosto. O guia turístico, Wasim, não falava francês, mas o seu inglês era bom, e uma das belgas, Anette, uma rapariga com cerca de dezasseis anos, também falava inglês e ia traduzindo em francês para os seus compatriotas. Wasim disse para o seu grupo: este é o famoso Templo de Baran, também conhecido como Arsh Bilqis, o trono da rainha de Sabá. Anette traduziu e o grupo de turistas assentiu e começou a tirar fotografias.
Al-Numair, o Leopardo, observou as ruínas do complexo do templo, mais de quatro quilómetros quadrados de muros de arenito castanho, sobre colunas quadradas e pátios abertos, a crestar ao sol do deserto. Os arqueólogos americanos e europeus tinham passado muitos anos e gastado muito dinheiro a descobrir aquelas ruínas pagãs, e haviam partido por causa das desconfianças tribais e, mais recentemente, pela actividade da Al-Qaeda. Um enorme desperdício de tempo e de dinheiro, pensou o Leopardo. Ansiava pelo dia em que os turistas ocidentais deixariam de vir e em que aquele templo e as ruínas pagãs que o rodeavam regressariam às areias inconstantes do deserto.
O Leopardo olhou para lá do complexo do templo, para a vegetação esparsa e para as poucas tamareiras. Sabia que em tempos antigos aquilo ali tinha sido muito mais verde e mais habitado. Agora o deserto chegara, vindo do leste, do Hadhramawt, que significava O Lugar onde a Morte Chega. Wasim al-Rahib 1ançou uma olhadela ao beduíno alto e barbudo, e interrogou-se porque se teria ele juntado ao grupo dos turistas belgas. Wasim tratara das coisas com o xeque da tribo local, Musa, pagando-lhe cem dólares americanos pelo privilégio de visitar aquele sítio histórico nacional. Além disso, evidentemente, o dinheiro comprava a paz; a promessa de que os homens das tribos beduínas não iriam perturbar nem molestar de forma alguma o grupo de turistas. Por isso, interrogava-se Wasim, porque estava aquele beduíno ali?
O Leopardo reparou que o guia turístico olhava para ele e devolveu o olhar até Wasim se voltar novamente para o seu grupo. Não havia mais turistas no templo naquele dia; apenas um ou dois grupos por semana se aventuravam a sair da capital, duzentos quilómetros a oeste. O Leopardo recordava-se de quando estas ruínas famosas atraíam mais ocidentais, mas infelizmente, devido às notícias recentes sobre a actividade da Al-Qaeda nesta província do Marib, muitos turistas mantinham-se à distância. Sorriu». In Nelson DeMille, O Jogo do Leopardo, 2012, Marcador, Editorial Presença, 2013, 2019, ISBN 978-989-847-059-1.

Cortesia de Marcador/EPresença/JDACT