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Coimbra, Julho de 1117
«(…) O Trava sorriu. Nu e deitado
de costas na cama, com as pernas abertas e o sexo grande, os braços musculados e
as mãos atrás da cabeça, era um macho forte e declarou, orgulhoso: com o meu irmão
Bermudo é que não foi. Maldoso, executou um golpe certeiro não só no ausente, mas
também na rainha, que sentiu uma estocada no amor-próprio. Aflita, escondeu a cara
na axila dele e murmurou: está sempre murcho. Dona Teresa revoltou-se então contra
as circunstâncias desagradáveis da sua existência, sentando-se com um ar zangado.
O que posso fazer?, perguntou. Mandar o Bermudo de volta para a Galiza, desfazendo
o casamento? O seu companheiro encolheu os ombros: basta a vossa palavra. Mas
não desejo humilhar o meu irmão, temos de lhe dar algo em troca. Espantada, dona
Teresa interrogou-se: o quê? O governo de Coimbra? A seu lado, o nobre galego franziu
a testa. Isso é de mais.
Devia querer a cidade para si, mas
nada adiantou sobre esse oculto desejo. Entusiasmada, a rainha propôs que dessem
Viseu a Bermudo, o que obteve a concordância do amante, que acrescentou: temos também
de lhe arranjar uma esposa legítima. Dona Têresa agitou-se de imediato, nervosa.
Uma esposa? Quem? Fernão Peres pareceu enfadado e explicou-se com forçada paciência:
alguém que para ele seja uma honra desposar. E mais nova, para o Bermudo se espevitar
e lhe fazer uns filhos. Com um toque de acidez na fala, a rainha protestou: insinuais
que ele murcha porque me acha velha?
Homem novo, mas com prematura sabedoria,
o Trava parecia já esperar aquela reacção e declarou de pronto que o irmão era um
frouxo. Dona Teresa logo amansou e ele prosseguiu, era evidente que planeara os
argumentos com antecedência. Uma mulher mais nova é um bom engodo para o Bermudo.
Dona
Teresa, que o nobre galego parecia ter a arte de convencer com rapidez, desatou
logo a enumerar possíveis candidatas: pode ser da família da Maia, ou da família
Sousa. São gente cá do Condado e têm filhas em idade de casar! Contudo, Fernão Peres
torceu o nariz, insatisfeito. Os Trava não eram estimados pelos nobres de Entre
Douro e Minho, seria difícil alguma dessas famílias aprovar tal casamento. Além
disso, acrescentou, devia ser alguém de sangue real. Como se tivesse ouvido um disparate,
dona Teresa insurgiu-se: de sangue real só existem as minhas filhas! Para
surpresa dela, Fernão sorriu-lhe. Dona Teresa, ao dar-se conta do plano, pareceu
momentaneamente chocada com a perversidade da solução. O Bermudo, meu marido, casar
com uma filha minha? O arcebispo de Braga ainda me excomunga!» In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras,
LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
Cortesia
de CdasLetras/LeYa/JDACT