domingo, 19 de janeiro de 2020

Tragédias Gregas Pascal Thiercy. «Os concursos dramáticos (tragédias e comédias) se desenrolavam por ocasião de duas festas religiosas consagradas a Dioníso, deus do vinho e do teatro: as Leneanas, no fim de Janeiro e começo de Fevereiro…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Em 480, durante a segunda guerra médica, aconteceu a batalha naval de Salamina. A frota ateniense infligiu uma derrota decisiva aos invasores persas, apesar da sua inferioridade numérica. Uma tradição liga a essa grande façanha guerreira os três principais poetas trágicos gregos: Ésquilo, com 45 anos de idade, participou do combate; o jovem Sófocles dirigiu o coro dos efebos que celebrou a vitória; Eurípides, dizem, nasceu nessa ilha no mesmo dia da batalha. Essa tradição, certamente um pouco bela demais para ser verdadeira no que se refere a Eurípides, realça, porém, dois factos importantes: ela mostra que todo esse teatro grego foi colocado sob o signo da guerra (primeiro contra os persas, depois dos gregos entre si na Guerra do Peloponeso) e estabelece bem a relação cronológica entre os três autores trágicos, considerados desde a Antiguidade como os três maiores e os únicos de quem temos peças completas. De facto, como explicar que, dentre centenas de tragédias compostas no século V por dezenas de poetas, somente cerca de trinta tenham chegado até nós e apenas desses três autores? Trata-se certamente do resultado de uma selecção feita pelo estabelecimento de compilações de peças escolhidas inicialmente por eruditos alexandrinos, segundo critérios estéticos ou escolares: peças da maturidade dos poetas que tinham entre si ligações temáticas ou que permitiam comparações entre os três grandes tragediógrafos. O número das peças escolhidas de Ésquilo e Sófocles era sete para cada um (um número simbólico) e dez para Eurípides, mais lido e mais imitado nessa época (tanto na tragédia quanto na comédia novas). Todas as peças contidas nessas diversas compilações são acompanhadas de escólios (notas à margem dos textos), o que mostra claramente uma intenção pedagógica. No caso de Eurípides, além das dez peças da compilação (Alceste, Medeia, Hipólito, Andrómaca, Hécuba, As Troianas , As Fenícias, Orestes, As Bacantes, Resos), nos chegou por acaso um fragmento de uma edição completa, na qual as tragédias eram classificadas por ordem alfabética. Este volume (desprovido de escólios) compreende os títulos que vão de épsilon (E) a capa (K): Helena, Electra, Os Heraclidas, Héracles furioso, As Suplicantes, Ifigênia em Áulis, Ifigénia em Táurida, Íon, O Ciclope. Na tradição medieval, as duas colecções estão misturadas.
Por volta de metade do século VI, um poeta ateniense, Téspis, teria acrescentado a fala ao canto do ditirambo (espécie de balé, de poema cíclico cantado e dançado por um coro em honra de um herói ou de um deus), encarregando um actor de recitar um prólogo e uma narração. Assim, Téspis é geralmente considerado como o inventor da tragédia (o próprio nome tragoidía, literalmente o canto do bode, deu ensejo a numerosas interpretações). Os concursos dramáticos (tragédias e comédias) se desenrolavam por ocasião de duas festas religiosas consagradas a Dioníso, deus do vinho e do teatro: as Leneanas, no fim de Janeiro e começo de Fevereiro, e as Grandes Dionísias (ou Dionísias urbanas), celebradas no fim de Março e começo de Abril. O primeiro concurso trágico foi realizado em 534. Temos raros fragmentos dos predecessores de Ésquilo, mas deve ser citado Frinico, cujos cantos harmoniosos foram por muito tempo populares em Atenas e que obteve sua primeira vitória entre 511 e 508. Dele conhecemos uma dezena de títulos. Frinico é tido como o primeiro a introduzir personagens femininos e a compor tragédias sobre assuntos da actualidade: A tomada de Mileto (492) e As Fenícias (476). A tomada de Mileto lembrava a revolta desta cidade grega da Jónia contra os persas em 494, portanto dois anos antes, e a repressão que se seguiu. A peça comoveu tanto o público que foi interditada. Quatro anos após a vitória grega em Salamina, em 480, Frinico obteve o primeiro prémio com As Fenícias, em que o coro de mulheres de Sídon [actual Líbano], cidade aliada dos persas, lamentava-se sobre a derrota de Xerxes. As Fenícias anunciam, assim, Os Persas de Ésquilo, representado quatro anos mais tarde.
Essas três tentativas de pôr em cena assuntos históricos parecem ter sido uma experiência abandonada, pois não conhecemos nenhum outro exemplo de tragédia histórica no século V. Nas Leneanas, menos prestigiosas, participavam apenas dois dramaturgos, com duas peças cada um; já nas Grandes Dionísias cada um dos três autores trágicos apresentava uma tetralogia, composta de uma trilogia trágica (três tragédias) mais um drama satírico. A trilogia podia ilustrar um único mito (como A Oresteia de Ésquilo), e neste caso se falava de trilogia ligada, ou ser formada de elementos independentes, o que ocorria na maioria das vezes. O drama satírico não parece ter sido uma obrigação, pois temos o exemplo de Eurípides que apresentou seu Alceste como quarta peça, e foi o que aconteceu também com outras de suas tragédias que tinham um final feliz e comportavam cenas cómicas. Uma tragédia grega é composta em versos, a variedade deles sendo determinada por um arranjo de combinações possíveis de sílabas curtas e longas. Não há actos, mas uma alternância de partes faladas pelos actores ou pelo corifeu, e de partes líricas cantadas pelo coro. As partes faladas, chamadas episódios, consistem em diálogos escritos geralmente em trímetros iâmbicos; seu número pode variar de dois a cinco. Os cantos do coro são chamados stasima (stasimon, canto sem movimento)». In Pascal Thiercy, Tragédias Gregas, L&PM, 2009, ISBN 978-852-541-945-3.

Cortesia de L&PM/JDACT