sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «No final daquela primeira folgança, quando se deitaram lado a lado, a rainha devia estar espantada com as habilidades do amante, pois perguntou: onde haveis aprendido tantos truques?»

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Coimbra, Julho de 1117
«(…) Fernão Peres Trava contestou-a, dizendo que ela e Bermudo nunca se haviam casado na igreja, não existira bênção nupcial, aos olhos de Deus não eram marido e mulher. Acercou-se de uma pequena mesa, onde estavam pousados dois vasos e um jarro de barro, encheu os vasos de vinho, ofereceu um a dona Teresa e, depois de beber, mirou o recipiente, desagradado. Prefiro o vinho da Galiza, este tem água a mais! De seguida, afirmou: meu pai sempre disse que o Bermudo era bom homem, mas sem carácter. A gente grita-lhe e ele encolhe-se! Fingindo-se ofendida, dona Teresa cumpriu formalmente a obrigação de defender o homem com quem ainda vivia: pelo menos não é como o Afonso de Aragão, que dá sovas na minha irmã! E também não maltrata as minhas filhas ou o meu filho. Ao ouvir falar de Afonso Henriques, Fernão queixou-se, de forma leve e intencionalmente distraída. Colocou um pé em cima duma arca, como se admirasse os seus belos sapatos vermelhos, de bom cabedal. Vosso filho não simpatiza comigo. A rainha não deu importância àquela queixa do Trava, alegando que o filho só pensava em matar mouros e que saía ao pai, antipático. Sentando-se na beira da cama novamente, perguntou: há pouco, haveis sugerido que me afaste de vosso irmão?
Malicioso, o Trava murmurou: dizem-me que não é só a guerrear que fraqueja... Dissimulando nova ligeira indignação, por ver a sua intimidade invadida, dona Teresa repreendeu-o: vede lá como falais, jovem Trava! Quem vos contou tais mentiras? Ele riu-se e ela, sem a negar, mudou subtilmente o palco da desilusão, dizendo não ter quem lhe mandasse nas tropas, desde que Paio Soares se afastara. Desolada, lamentou-se: o mundo é duro para uma mulher. Os nobres e os bispos acham que somos tolas e não servimos para governar. Farejando uma oportunidade para a lisonja, o Trava interrompeu-a: não penso isso de vós. Agradada, ela sorriu de novo. Então, o que achais vós, jovem Trava? Que sou louca, como a minha irmã Urraca? Que sou mal namorada pelo meu marido? O Trava aproximou-se da cama e avançou a sua opinião. Acho-vos mal..., rodeada.
Estava de pé em frente dela, obrigando-a a olhar de baixo para cima. Sob o efeito subjugante daquela poderosa presença física, dona Teresa estremeceu e, para afastar o óbvio fascínio que já sentia, esboçou uma careta dengosa e questionou-o: vós quereis-me..., rodear, jovem Trava? Fernão Peres manteve os olhos postos nela e murmurou: uma mulher tão bela como vós necessita de ajuda. No comando do Condado e não só... Fez então uma festa ternurenta à rainha, passando no rosto dela os seus dedos. Dona Teresa corou de imediato. O seu peito desatou a subir e a descer rapidamente, a sua respiração agitou-se e pediu: então ajudai-me, amigo. Dormi comigo, pois estou enamorada! No final daquela primeira folgança, quando se deitaram lado a lado, a rainha devia estar espantada com as habilidades do amante, pois perguntou: onde haveis aprendido tantos truques?» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT