Coimbra, Julho de 1117
«(…) Fernão Peres Trava
contestou-a, dizendo que ela e Bermudo nunca se haviam casado na igreja, não existira
bênção nupcial, aos olhos de Deus não eram marido e mulher. Acercou-se de uma
pequena mesa, onde estavam pousados dois vasos e um jarro de barro, encheu os
vasos de vinho, ofereceu um a dona Teresa e, depois de beber, mirou o recipiente,
desagradado. Prefiro o vinho da Galiza, este tem água a mais! De seguida, afirmou:
meu pai sempre disse que o Bermudo era bom homem, mas sem carácter. A gente grita-lhe
e ele encolhe-se! Fingindo-se ofendida, dona Teresa cumpriu formalmente a obrigação
de defender o homem com quem ainda vivia: pelo menos não é como o Afonso de
Aragão, que dá sovas na minha irmã! E também não maltrata as minhas filhas ou o
meu filho. Ao ouvir falar de Afonso Henriques, Fernão queixou-se, de forma leve
e intencionalmente distraída. Colocou um pé em cima duma arca, como se admirasse
os seus belos sapatos vermelhos, de bom cabedal. Vosso filho não simpatiza comigo.
A rainha não deu importância àquela queixa do Trava, alegando que o filho só pensava
em matar mouros e que saía ao pai, antipático. Sentando-se na beira da cama novamente,
perguntou: há pouco, haveis sugerido que me afaste de vosso irmão?
Malicioso, o Trava murmurou: dizem-me
que não é só a guerrear que fraqueja... Dissimulando nova ligeira indignação, por
ver a sua intimidade invadida, dona Teresa repreendeu-o: vede lá como falais,
jovem Trava! Quem vos contou tais mentiras? Ele riu-se e ela, sem a negar, mudou
subtilmente o palco da desilusão, dizendo não ter quem lhe mandasse nas tropas,
desde que Paio Soares se afastara. Desolada, lamentou-se: o mundo é duro para uma
mulher. Os nobres e os bispos acham que somos tolas e não servimos para governar.
Farejando uma oportunidade para a lisonja, o Trava interrompeu-a: não penso
isso de vós. Agradada, ela sorriu de novo. Então, o que achais vós, jovem Trava?
Que sou louca, como a minha irmã Urraca? Que sou mal namorada pelo meu marido? O
Trava aproximou-se da cama e avançou a sua opinião. Acho-vos mal..., rodeada.
Estava
de pé em frente dela, obrigando-a a olhar de baixo para cima. Sob o efeito subjugante
daquela poderosa presença física, dona Teresa estremeceu e, para afastar o óbvio
fascínio que já sentia, esboçou uma careta dengosa e questionou-o: vós quereis-me...,
rodear, jovem Trava? Fernão Peres manteve os olhos postos nela e murmurou: uma mulher
tão bela como vós necessita de ajuda. No comando do Condado e não só... Fez então
uma festa ternurenta à rainha, passando no rosto dela os seus dedos. Dona Teresa
corou de imediato. O seu peito desatou a subir e a descer rapidamente, a sua respiração
agitou-se e pediu: então ajudai-me, amigo. Dormi comigo, pois estou enamorada! No
final daquela primeira folgança, quando se deitaram lado a lado, a rainha devia
estar espantada com as habilidades do amante, pois perguntou: onde haveis aprendido
tantos truques?» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa
das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
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