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Via
Espessa
[…]
XIII
« Querer voar, Samsara? Queres
trocar o moroso das pernas
Pela magia das penas. e planar
coruscante
Acima da demência? Porque te vejo
às tardes desejosa
De ser uma das aves retardatárias
do pomar.
Aquela ali talvez, rumo ao
poente.
Pois pode ser, lhe disse. Santos
e lobos
Devem ter tido o meu mesmo
pensar. Olhos no céu
Orando, uivando aos corvos.
Então aproximou-se rente ao meu
pescoço:
Esquece texto e sabença: as
cadeias do gozo.
E
labaredas do intenso te farão o voo».
XIV
«Telhas,
calhas
Cordas de luz que se fizeram
palavra
Alguém sonha a carne da minha
alma.
Ecos, poço
O esquecimento perseguindo um
corpo
Aqui me tens entre a vigília e o
encanto
Cativa da loucura
Perseguindo
o louco».
XV
«Eram
azuis as paredes do prostíbulo
Ela estendeu-se nua entre os
arcos da sala
E matou-se devassada de ternura.
Que azul insuportável, antes
gritou.
Como se adulta um berço me
habitasse
Foi esta a canção de Natal
cantada pelo louco
Quando
me deu a Hilde: a porca que levava sobre o dorso».
XVI
«Não
percebes, Samsara, que Aquele que se esconde
E que tu sonhas homem, quer ouvir
teu grito?
Que há uma luz que nasce da
blasfémia
E amortece na pena? Que é a cinza
a cor do teu queixume
E o grito tem a cor do sangue
Daquele que se esconde?
Vive o carmim, Samsara. A ferida.
E
terás um vestígio do Homem na tua estrada».
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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