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A Tomada
de Ceuta
«Os Infantes
sossegaram e razãoo tinham. Pois o pai mandara ‘trigosamente’ cortar madeira
para embarcações; Micer Carlos Pezagno, o almirante, teve o encargo de recrutar
mareantes, e Affonso Furtado, o capitão, punha a postos toda a sua gente: patrões,
alcaides, arrais, pintitais, comitres, besteiros, galeotes e marinheiros; João Affonso
de Azambuja dava ordem a Ruy Peres do Alandroal, tesoureiro da moeda, para que as
fornalhas de fundição estivessem sempre a trabalhar, à uma; e o Gomide, escrivão
da puridade, e o ajudante Caldeira iam escrevendo a todos os ‘Anadeis’ para que
fizessem seus alardos de besteiros e arricaveiros e mandassem relação das forcas
nos ‘alcaides’, ou livros de revistas. A azáfama era grande nos preparativos da
expedição, da qual se ignorava o destino.
Nas margens
do Tejo e do Douro, nas tercenas da Madalena e de Vila Nova, os arcabouços das gales
e naus e galeotas em construção arqueavam-se como costelas de esqueletos monstruosos;
os carpinteiros batiam a compasso os malhos; os engenhos ‘dobadoiras’ aprestavam-se
a lançar à agua as embarcações já prontas; ‘estrinqueiros’
torciam e retorciam a cordoalha; ‘enxerqueiras’ preparavam carne e pescado para
as armadas; acorriam a Lisboa as mesnadas da Beira, da Extremadura e do Alentejo,
apresentando-se ao infante Pedro, que tinha a seu cargo comandar as e faze-las embarcar
na frota que organizava; e as do Minho e Trás os-Montes eram trazidas pelo conde
de Barcelos ao Porto, onde o infante Henrique, auxiliado pelo senado, dirigia os
preparativos fadigosos da expedição e em cuja cidade Bento Fernandes e João de
Basto levantavam um grande número de besteiros e galeotes. Toda essa
decisão de trabalho fora resultado do tal conselho que Nun’Alvares induzira o Rei
a reunir. Tivera ele lugar em Torres Vedras.
Viera
João I, de Sintra, e os Infantes Henrique e Pedro chegaram de Tentugal. Aproximava-se
Henrique da vila e encontrando o pai, beijou-lhe a mão e pediu-lhe: - Senhor, quando
formos em nossa sagrada expedição, que seja eu o primeiro que filhe terra, vos peço.
E acrescentara:
- «Quando vossa escada real for posta sobre os
muros da cidade, que eu seja aquele que vá primeiro por ela, que outro algu»
E o
pai, rindo, retorquiu-lhe:
- Em tempo próprio te darei resposta.
E foram
todos ao conselho: Rei, Infantes, Nun'Alvares e os maiorais da corte. O Condestável
dissera ao rei João I que apresentasse o negócio como feito já determinado, e sossegava-o:
- Falai assim que eu serei convosco. E todos, crentes,
ouviram, em antes da reunião, missa do Espirito Santo. Depois o Rei falou, falou,
alegando não querer guerrear cristãos e sóp almejar combater os infiéis, em graças
a Jesus Senhor Nosso. Ouviam todos, silenciosos.
O Rei,
afinal, pediu conselho. O infante Duarte devia ser o primeiro a falar; desistiu
contudo em favor do Condestável, como se combinara. E este com o seu aspecto
patriarcal, grave, sereno, como uma visão do passado, ali mostrou na sua frase suasória
toda a importância e justiça da empresa. E terminando ajoelhara-se aos pés do Rei,
oferecendo-lhe mais uma vez a sua espada gloriosa de cavaleiro.
Todos
se electrizaram ao ouvirem o Condestável; ali haviam estado os bons veteranos de
Valverde e Aljubarrota, escutando a voz do cavaleiro-modelo, atentos, mas aquelas
frases sugestionadoras de ímpetos belicosos, João Gomes da Silva, um dos antigos,
entusiasmado, encarou os companheiros das lides passadas, em todos eles já as cãs
se destacavam, - e gritou-lhes:
- Além, assim seja, apoiaram os outros. Os velhos
de Aljubarrota, os de cabelos brancos, os “russos” tinham de ir levar os rapazes
à conquista da glória, pois não!
Além! Além! - clamavam todos, abraçando-se». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do
Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.
Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT