domingo, 24 de junho de 2012

Alfredo Alves. D. Henrique o Infante. Memória Histórica: Parte X. «Nas margens do Tejo e do Douro, nas tercenas da Madalena e de Vila Nova, os arcabouços das gales e naus e galeotas em construção arqueavam-se como costelas de esqueletos monstruosos; os carpinteiros batiam a compasso os malhos; os engenhos ‘dobadoiras’ aprestavam-se a lançar à agua as embarcações já prontas»



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A Tomada de Ceuta
«Os Infantes sossegaram e razãoo tinham. Pois o pai mandara ‘trigosamente’ cortar madeira para embarcações; Micer Carlos Pezagno, o almirante, teve o encargo de recrutar mareantes, e Affonso Furtado, o capitão, punha a postos toda a sua gente: patrões, alcaides, arrais, pintitais, comitres, besteiros, galeotes e marinheiros; João Affonso de Azambuja dava ordem a Ruy Peres do Alandroal, tesoureiro da moeda, para que as fornalhas de fundição estivessem sempre a trabalhar, à uma; e o Gomide, escrivão da puridade, e o ajudante Caldeira iam escrevendo a todos os ‘Anadeis’ para que fizessem seus alardos de besteiros e arricaveiros e mandassem relação das forcas nos ‘alcaides’, ou livros de revistas. A azáfama era grande nos preparativos da expedição, da qual se ignorava o destino.
Nas margens do Tejo e do Douro, nas tercenas da Madalena e de Vila Nova, os arcabouços das gales e naus e galeotas em construção arqueavam-se como costelas de esqueletos monstruosos; os carpinteiros batiam a compasso os malhos; os engenhos ‘dobadoiras’ aprestavam-se a lançar à agua as embarcações já prontas; ‘estrinqueiros’ torciam e retorciam a cordoalha; ‘enxerqueiras’ preparavam carne e pescado para as armadas; acorriam a Lisboa as mesnadas da Beira, da Extremadura e do Alentejo, apresentando-se ao infante Pedro, que tinha a seu cargo comandar as e faze-las embarcar na frota que organizava; e as do Minho e Trás os-Montes eram trazidas pelo conde de Barcelos ao Porto, onde o infante Henrique, auxiliado pelo senado, dirigia os preparativos fadigosos da expedição e em cuja cidade Bento Fernandes e João de Basto levantavam um grande número de besteiros e galeotes. Toda essa decisão de trabalho fora resultado do tal conselho que Nun’Alvares induzira o Rei a reunir. Tivera ele lugar em Torres Vedras.
Viera João I, de Sintra, e os Infantes Henrique e Pedro chegaram de Tentugal. Aproximava-se Henrique da vila e encontrando o pai, beijou-lhe a mão e pediu-lhe: - Senhor, quando formos em nossa sagrada expedição, que seja eu o primeiro que filhe terra, vos peço. E acrescentara:
 - «Quando vossa escada real for posta sobre os muros da cidade, que eu seja aquele que vá primeiro por ela, que outro algu»
E o pai, rindo, retorquiu-lhe:
 - Em tempo próprio te darei resposta.
E foram todos ao conselho: Rei, Infantes, Nun'Alvares e os maiorais da corte. O Condestável dissera ao rei João I que apresentasse o negócio como feito já determinado, e sossegava-o:
 - Falai assim que eu serei convosco. E todos, crentes, ouviram, em antes da reunião, missa do Espirito Santo. Depois o Rei falou, falou, alegando não querer guerrear cristãos e sóp almejar combater os infiéis, em graças a Jesus Senhor Nosso. Ouviam todos, silenciosos.
O Rei, afinal, pediu conselho. O infante Duarte devia ser o primeiro a falar; desistiu contudo em favor do Condestável, como se combinara. E este com o seu aspecto patriarcal, grave, sereno, como uma visão do passado, ali mostrou na sua frase suasória toda a importância e justiça da empresa. E terminando ajoelhara-se aos pés do Rei, oferecendo-lhe mais uma vez a sua espada gloriosa de cavaleiro.
Todos se electrizaram ao ouvirem o Condestável; ali haviam estado os bons veteranos de Valverde e Aljubarrota, escutando a voz do cavaleiro-modelo, atentos, mas aquelas frases sugestionadoras de ímpetos belicosos, João Gomes da Silva, um dos antigos, entusiasmado, encarou os companheiros das lides passadas, em todos eles já as cãs se destacavam, - e gritou-lhes:
 - Além, assim seja, apoiaram os outros. Os velhos de Aljubarrota, os de cabelos brancos, os “russos” tinham de ir levar os rapazes à conquista da glória, pois não!
Além! Além! - clamavam todos, abraçando-se». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.

Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT