terça-feira, 26 de junho de 2012

Cartas de Soror Mariana Alcoforado. Das Lettres Portugaises. Leonel Borrela. «Apesar de considerarmos a obra extremamente positiva, supomos que a autora não visitou Beja e, se alguma vez veio a Portugal, não se apercebeu que seria impossível fazer em poucas horas, no século XVII e em tempo de guerra, o caminho entre Castelo Rodrigo e Beja, afinal bem distantes e quase diagonalmente opostas»



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«Muito resumidamente, Myriam Cyr, exceptuando pequenas lacunas de ordem bibliográfica, aproxima-se bastante do Estado da Arte, quase conseguindo fazer o ponto da situação em que se encontram os estudos acerca do tema, com a vantagem, para Portugal, de defender a autoria portuguesa das cartas, referenciando, para os leitores de língua inglesa e francesa, os autores portugueses e estrangeiros que a admitem.
Aqui para nós, que ninguém nos ouve, Mariana Alcoforado e as “Lettres Portugaises", constituem, inexplicavelmente, uma relação de intimidade a desfazer pela maioria dos nossos letrados desde o século XIX. Há mais de trinta anos que assistimos no Museu Regional de Beja, instalado no convento onde viveu Mariana, aos esgares ridículos e sobranceiros de uma certa pseudo-intelectualidade portuguesa que, perante a janela das Portas de Mértola, se afana na mesquinhez...
Desconhecemos se, com o nosso entusiasmo pelo assunto, contagiámos, ainda mais, algumas das personalidades que nos visitaram nos últimos anos,  como Giovanni Piazza, Isamu Taniguchi, Graça Lobo, Carlos Quevedo, Rubens Coura, Teresa Corte-real, Michelle Navarro, entre outras. Lisa Forrel, encenadora inglesa de Myriam Cyr, aquando da sua interpretação das Cartas num dos teatros de Nova lorque. Num dos dias da encenação as duas amigas encontraram-se com Katherine Vaz, falaram de nós, de Beja, e do romance histórico "Mariana" desta escritora luso-americana. Parece-nos indispensável, especialmente para a cidade de Beja, a insistência nestes contactos, cujos bons resultados veremos dentro de poucos anos, razão por que urge adoptar uma atitude em tudo explícita, em nada hesitante, acerca da autoria portuguesa das cartas.

Revela uma obra bem estruturada, bem documentada na bibliografia, mas confunde os nomes dos reis portugueses e a leitura de alguns documentos. Apesar de considerarmos a obra extremamente positiva, supomos que a autora não visitou Beja e, se alguma vez veio a Portugal, não se apercebeu que seria impossível fazer em poucas horas, no século XVII e em tempo de guerra, o caminho entre Castelo Rodrigo e Beja, afinal bem distantes e quase diagonalmente opostas; Claude Barbin, o primeiro editor das cartas, em 1669, nunca que saibamos referiu, nas edições, o nome de Guilleragues, nem como seu tradutor nem como autor; a dado momento lê-se que “A capela de Santa Maria pertencia à cidade pitoresca de Beja, situada no Baixo-Alentejo, a região mais a sul de Portugal”. Ora, a capela de Santa Maria, é simplesmente a mais importante igreja paroquial da cidade, a que apresenta melhores pergaminhos históricos, na penúltima região mais a sul, no continente; devido provavelmente à proximidade da meia dúzia de frades do demolido hospício de Santo António, actual local do Teatro Pax-Julia, considera que os mesmos viviam também nas instalações do convento da Conceição, cenóbio de Mariana e das outras freiras clarissas. Enfim, são pequenas fantasias que, esperemos, os detractores da autoria portuguesa das Cartas não deverão aproveitar em benefício próprio.

Todavia reafirmamos o interesse incontornável que esta edição tem para Portugal, Beja e Soror Mariana Alcoforado. Sem outros comentários, a propósito da condição feminina portuguesa, diz-nos Myriam Cyr:
  • "O catolicismo português, uma mescla de vestígios de costumes muçulmanos, crenças pagãs e devoção religiosa [cristã], era o palco ideal para subjugar as mulheres. As esposas eram deliberadamente mantidas analfabetas. Usavam a versão católica do chador sob a forma de um lenço apertado à volta da cara. Comiam no chão, sobre uma esteira de cortiça, enquanto os homens se sentavam à mesa, [...]".
In Leonel Borrela, Cartas de Soror Mariana Alcoforado, Edição 100Luz, 2007, ISBN 978-972-99886-7-7.

Cortesia de 100Luz/JDACT