quarta-feira, 27 de junho de 2012

Breve História dos Judeus em Portugal. Jorge Martins. «Após as insistências de seus pais, que lhe fizeram ver os interesses do Estado espanhol, a princesa acabaria por ceder ao alegado desinteresse em tal matrimónio, mas impondo a Manuel I a condição de que expulsasse os judeus de Portugal»



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O édito de expulsão e o baptismo forçado
«João II faleceu a 25 de Outubro de 1495, gorando as expectativas filo-semitas que, apesar de tudo, parecia perfilhar. Seu filho, o príncipe Afonso, havia perecido em Santarém quatro anos antes em consequência da queda de um cavalo.
Ficara o trono prematuramente sem sucessor, o reino vestido de luto, o rei desalentado e a princesa D. Isabel, filha primogénita dos Reis Católicos, desconsoladamente viúva após sete curtos meses de casamento, decidiu cortar os seus cabelos louros e recolher-se definitivamente num convento. O sucessor, Manuel I (1469-1521), que tinha integrado a comitiva que fora receber à fronteira a candidata a rainha de Portugal, ficara encantado com a beleza da princesa castelhana, o que explicará todos os esforços que desenvolveu para desposar a viúva que perdera a oportunidade de vir a ser rainha de Portugal.
Manuel I foi feito rei nesse ano de 1495 e endereçou aos Reis Católicos uma proposta de casamento com a viúva do desafortunado príncipe português. Após as insistências de seus pais, que lhe fizeram ver os interesses do Estado espanhol, a princesa acabaria por ceder ao alegado desinteresse em tal matrimónio, mas impondo a Manuel I a condição de que expulsasse os judeus de Portugal. O novel rei, não só cumpriria a promessa, como a excederia, decretando também a expulsão dos mouros, uma desnecessidade óbvia, porquanto nada representavam para o reino cristão, religiosa e etnicamente, ao contrário da Espanha, que só em 1492 conquistou Granada.
A primeira decisão que o novo rei tomou em relação aos judeus ia no sentido da tradição régia da generalidade dos seus antepassados: concedeu carta de alforria aos judeus espanhóis feitos escravos na sequência da permanência no reino após os oito meses acordados com João II. Aliás, igualmente ao que acontecera com os seus predecessores, nutria um enorme respeito pela sabedoria judaica, o que se verificava na afeição pelo famoso médico e matemático Abraham Zacuto, o autor do “Alamanach perpetuum sex Ephemerides et tabulae septem planetarium (1502)”, que se notabilizara em Cartago e Salamanca, onde os cristãos não dispensavam os seus ensinamentos de astronomia. Manuel I nada fazia sem o conselho autorizado de Abraham Zacuto, chegando mesmo a criar uma cadeira de astronomia na Universidade, o que demonstrava a sua credulidade no cientista judeu e não deixando de o consultar antes de enviar a expedição de Vasco da Gama para a Índia, cuja partida ocorreria a 8 de Julho de 1497. É conhecida a colaboração judaica, a vários níveis, científico, humano, comercial, empreendedor, na empresa marítima portuguesa, o que atesta, por um lado, a sua importância na sociedade e na economia portuguesas e, por outro, a continuidade da política de tolerância em finais de quatrocentos, que prosseguiria, apesar do “Édito de Expulsão de 1496”, em termos contraditórios, com o monarca Manuel I.
As ambições políticas deste rei, que o levariam a desposar a cunhada, chegavam, contudo ao trono espanhol. Também os Reis Católicos alimentavam esperanças de unificar toda a península. O preço a pagar pela desmedida pretensão manuelina seria elevadíssimo, quer para o reino português, quer para os judeus. A exigência manifestada por D. Isabel quanto aos judeus espanhóis decorreria, naturalmente, do projecto de seus pais de "limparem" a Ibéria de judeus, o que estava bem patente no contrato de casamento com Manuel I, lavrado em Agosto de 1497. O rei mostrava-se determinado no cumprimento de tal exigência, estranha à política oficial portuguesa, mas, mesmo assim, resolveu reunir o seu Conselho, onde as opiniões se dividiram. Os opositores ao intolerante decreto argumentavam que os judeus eram autorizados a viver em Itália, na Hungria, na Alemanha, na Boémia, na Polónia e até em Roma e que bem mais fácil seria convertê-los ao cristianismo se convivessem no nosso seio do que se instalassem entre os muçulmanos, onde lhes faltaria o ‘bom exemplo’. Além do mais, os inconvenientes seriam significativos: eram numerosos no reino, eram os melhores artesãos, melhores médicos, astrónomos e matemáticos e detinham assinalável riqueza, o que iria favorecer os mouros em cujas terras se instalariam se fossem expulsos de Portugal. Os partidários da expulsão recordavam os exemplos, no mesmo sentido, da França da Inglaterra, da Escócia, da Dinamarca, da Noruega, da Suécia e da Espanha, de onde haviam sido expulsos». In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.

continua
Cortesia de Nova Veja/JDACT