domingo, 24 de junho de 2012

Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre. Maria Ferro Tavares. «Em Castelo de Vide, estava levantado o acampamento para os que entravam pela fronteira alentejana. Segundo Velasco da Mota a quem cabia a sua vigilância, nele se encontravam entre 4000 e 5000 pessoas, guardadas de dia e de noite, para evitar os roubos e raptos feitos pelos castelhanos, nas suas sortidas em território português»


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«Desconhecemos o cômputo populacional dos judeus destes concelhos assim como o número de habitantes por fogo. É muito provável que, à exclusão de Elvas e Portalegre, a minoria residisse numa única rua, não chegando a extravasá-la, exceptuando com a vinda dos judeus castelhanos em 1492, altura em que muitos destes habitaram acampamentos de refugiados, como o de Castelo de Vide, ou em casas na cristandade.
À semelhança do que se passava no resto do reino e tal como depois ocorreria com a família cristã nova, o agregado estrito definia-se por um elevado número de filhos.
O casamento entre membros da mesma família era frequente, incluindo a união entre primos. A endogamia devia ser mais usual nas famílias mais ricas, evitando desse modo a dispersão do património familiar. O casamento era nestas precedido por um contrato nupcia1,a ‘kétubah’.
Economicamente, os judeus dedicavam-se ao comércio e às artes diversas. Os mesteres nobres eram seu apanágio, sendo por vezes o único oficial da sua arte no concelho em que residiam.
Tomemos alguns exemplos :

Castelo de Vide:
Mercador – 4,
Tecelões – 2,
Alfaiates – 2,
Sapateiros – 2.

Elvas:
Mercadores – 2,
Tecelões - l4,
Alfaiates – 17,
Gibiteiros – 2,
Sapateiros – 5,
Ourives – 2,
[…]

Fronteira:
Mercador – 1,
Tecelões – 3,
Alfaiates – 1,
Físicos – 2.

Portalegre:
Alfaiates – 8,
Tecelões – 7,
Gibiteiros – 3,
Sapateiros – 9,
Ferreiros – 2,
Ourives – 1,
Físicos e cirurgiões – 3,
[…]

Perante esta amostragem incompleta, devido à escassez documental, podemos concluir da importância do fabrico, transformação e comércio de tecidos, sendo certamente as mantas um desses artefactos. Seguiam-se-lhe o trabalho dos curtumes e do fabrico de sapatos e a arte do ferro.
A sua actividade desenvolvia-se nas lojas-oficinas, muitas vezes acesso único à própria habitação. Nelas trabalhava o mestre mas também o sobreiro e assalariados, assim como um ou outro aprendiz. Frequentavam as feiras da região alentejana, como a de Vera Cruz, Flor da Rosa, Elvas, Vila Viçosa, etc. Exemplo deste comércio era o pequeno mercador itinerante, o ‘algibebe’.
Vejamos para sintetizar, baseado na amostragem acima referida:

Alfaiates e gibiteiros – 33,
Tecelões – 22,
Mercadores – 7,
Tosadores – 3,
Sapateiros – 16,
Ferreiros e Armeiros – 13,
Físicos e cirurgiões – 14.

Mas nesta zona raiana o trato não era somente interno. Fazia-se igualmente um comércio intenso com a vizinha Castela, para onde se levava gado clandestinamente, como Abraão Alufo de Castelo de Vide ou dinheiro e donde se trazia panos de diversa qualidade, sedas, fustões, etc.
Igualmente importante deveria ser a presença de judeus castelhanos nestes concelhos, explicada por laços familiares e interesses comerciais, provenientes sobretudo de Badajoz, Valençia de Alcântara, etc.

Em 1492, os Reis Católicos decretavam a expulsão dos judeus de Castela, depois de, numa primeira fase, o terem sido da Andaluzia. Marvão e Elvas, segundo os cronistas castelhanos da época teriam sido dois dos portos, escolhidos para a entrada em Portugal. Em Castelo de Vide, estava levantado o acampamento para os que entravam pela fronteira alentejana. Segundo Velasco da Mota a quem cabia a sua vigilância, nele se encontravam entre 4000 e 5000 pessoas, guardadas de dia e de noite, para evitar os roubos e raptos feitos pelos castelhanos, nas suas sortidas em território português.
A maioria partiu para outras partes, no reino ou fora dele. Alguns regressariam a Castela depois de serem baptizados em finais de 1492. Outros ter-se-iam aqui radicado». In Maria Ferro Tavares, Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.

Cortesia da FCSHUNL/JDACT