segunda-feira, 25 de junho de 2012

A Revolução de 1383. Tentativa de caracterização. António Borges Coelho. «Houve ou não revoluções na História? Por que se fala, sem protestos, na revolução de 1640 e até na ‘revolução’ do 28 de Maio e só 1383 terá de ser uma ‘crise de alcova’, uma ‘crise dinástica’? Se sou um homem de desejos e ainda por cima desejos de uma revolução popular, por que diabo não me fiquei no texto por uma ‘revolta dos mesteirais’?»



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Prólogo
Escrita Desejo Política
«O Poder lê e manda ler para se informar. Mesmo quando lê mal e mal se informa. Todos, de uma maneira ou de outra, sentem ou reflectem a pressão que se abate sobre os ombros, mesmo quando se julgam Poder. A caneta oscila sob o peso dos olhos que social e contraditoriamente nos espreitam e vigiam. Quando me rotulam com outros de ‘predeterminado’, não me discutem, chamam-me nomes. Mas ao colarem-me rótulos e nomes, estarão a pensar no que escrevi ou a reagir ‘determinados’ e até ‘predeterminados’ sob a pressão do olho do Poder?
Escrevo como quem fala mas sobe de novo a pulso pela palavra escrita. Não na intenção de a moldar à moda ou à pressão de uma força ou interesse mas no esforço permanente, para lá dos impulsos e dos ventos que me açoutam palavra a palavra, de alcançar uma explicação duradoura e válida.
Tretas. O teu discurso é o discurso do desejo. Querias uma revolução para hoje, para agora, e vais descobri-la, ‘inventá-la’ no passado.
Não me faltam desejos mas não é este o instrumento próprio para os vasar. Quando reduzem trezentas páginas de texto fundamentado ao discurso do desejo, cercam a obra por fora sem correrem o risco de se engasgarem a mastigar o seu miolo.
Houve ou não revoluções na História? Por que se fala, sem protestos, na revolução de 1640 e até na ‘revolução’ do 28 de Maio e só 1383 terá de ser uma ‘crise de alcova’, uma ‘crise dinástica’?
Se sou um homem de desejos e ainda por cima desejos de uma revolução popular, por que diabo não me fiquei no texto por uma ‘revolta dos mesteirais’?
Não. Insisto que 1383 constituiu uma revolução burguesa, isto é, desencadeada, dirigida e aproveitada no essencial pela burguesia das cidades e vilas de Portugal.
Mas sabem porque é que eu insisto? Segundo um articulista, não é porque os factos o demonstrem. É pela ‘curiosa teoria leninista da vara curvada: uma vara está curvada no mau sentido. Para a endireitar é necessário curvá-la primeiro no sentido oposto’.
E eis que este vosso amigo, munido da ‘lógica do sedutor’ e da ‘vara’ dos feitiços, encurva os factos na direcção da revolução burguesa para levar água ao moinho da revolução proletária. Aqui está uma mágica bem feita, não por mérito próprio mas da vara. O que se pretende com estes tiros de pólvora seca?
Quando escrevo, volto as palavras de uma banda e da outra banda, mudo-as de lugar, corto, estendo, procurando que transmitam razoavelmente (de razão) o que à mente aflora. E se muitas vezes as palavras queimam, é porque aqueceram ao rubro ao saltarem para fora derrubando barreiras do estabelecido.
Ainda no plano das intenções (de boas e más está o inferno cheio), descobrem-me objectivos (fins, interesses) políticos imediatos. ‘Os objectivos políticos imediatos das escolas interpretativas dos conflitos sociais no nosso país paralisaram a investigação objectiva, impediram de averiguar o que efectivamente se passou, descoberto por comparação com as hipóteses interpretativas do materialismo dialéctico ou com as do idealismo político’.
António Sérgio, Jaime Cortesão e os ‘marxistas’ escreveram, no essencial, inspirados por ‘objectivos políticos imediatos’? Se considerarmos que o esclarecimento da história do povo português e a participação na sua ‘educação cívica’, como pretendia António Sérgio, envolve, como tudo, a política, poder-se-á afirmar mesmo assim que os objectivos dos homens do ‘idealismo político’, e dos homens ditos do ‘materialismo dialéctico’ se reduzem a ‘objectivos políticos imediatos’? Não haverá uma tentativa, mesmo limitada e fruste, de alcançar (o milagre não é negado a todos) a verdade histórica, verdade sempre provisória, mas que pode ficar também cada vez mais próxima?». In António Borges Coelho, A Revolução de 1383, Editorial Caminho, Colecção Universitária, 1984.

Continua
Cortesia da Caminho/JDACT