sábado, 23 de junho de 2012

Famílias inglesas e a economia de Portugal. Os Stephens da Marinha Grande. Maria Leonor Sousa. «William, que, como a maioria dos membros da Feitoria, vivia em precárias circunstâncias, tanto de alojamento como financeiras, pois Medley fechara a sua casa de Lisboa, viu no projecto da nova cidade uma hipótese de negócio»



Rua Nova dos Ingleses. Porto. Joseph Forrester
Fr e jdact

«Jane Smith, serviçal no castelo de Pentillie, em Landulph, na Cornualha, registou William sem apelido de família, como sendo filho de pai incógnito, no dia 20 de Maio de 1731. Só doze anos depois, tendo enviuvado, pôde Oliver Stephens, professor, casar com Jane e criar a sua família, na qual nasceram mais quatro filhos, Lewis, Jedediah, John James e Philadelphia. Vivendo então em Exeter, William frequentou a escola local, onde, sob a orientação de um professor recém-chegado de Oxford, aprendeu matemática e contabilidade, mas também literatura e teatro. O pai, que tivera uma educação cuidada, pôde acompanhá-lo nos estudos, mas a sua situação financeira não permitia uma formação universitária. E assim, com quinze anos, William embarcou num navio mercante com destino a Lisboa, onde iria ser aprendiz de um tio paterno que aqui tinha o que hoje chamaríamos um escritório de contabilidade.
William sentiu-se bem no seio da Feitoria Inglesa, onde os negociantes prosperavam graças a grandes privilégios sancionados principalmente pelo ‘tratado de Methuen’, de 26 de Dezembro de 1703. Essa situação, que permitiu a William o convívio com figuras destacadas tanto da comunidade inglesa como da sociedade portuguesa, suscitava má-vontade da parte dos comerciantes nacionais, que ao longo da vida lhe levantaram grandes problemas, que só a protecção do marquês de Pombal e de outros governantes que se lhe seguiram pôde contornar. Mas o tio declarou falência em l750, e só no ano seguinte William conseguiu organizar a sua vida como representante de George Medley, um membro da Feitoria que regressou ao seu país e o deixou, juntamente com outro rapaz, responsável pelo seu negócio de exportação de vinho, fruta e sal. A sua prosperidade levou a que fosse eleito membro da Feitoria, em1752, mas a situação viria a ser seriamente afectada pelo terramoto de 1755, que, por outro lado, abriu nova saída para a sua actividade.
A situação política portuguesa sofrera alterações desde a sua chegada a Portugal, e o terramoto deu um inesperado destaque à figura do ministro de José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, a quem o rei incumbiu de reorganizar a vida das populações afectadas pelo terramoto e a reconstrução de Lisboa. William, que, como a maioria dos membros da Feitoria, vivia em precárias circunstâncias, tanto de alojamento como financeiras, pois Medley fechara a sua casa de Lisboa, viu no projecto da nova cidade uma hipótese de negócio. Para essa reconstrução iam ser precisas grandes quantidades de materiais, e ele investigou as técnicas necessárias àquele que lhe pareceu mais imediato, a cal, de que havia alguns produtores mas sem grande qualidade. Das suas investigações, ficou a saber que era essencial o tipo de combustível para os fornos da cal. Em vez de madeira de pinho, como então se praticava, devia utilizar-se carvão de pedra, que teria que mandar vir do País de Gales para os fornos a construir em Alcântara, que lhe pareceu a melhor zona, entre outras razões pela proximidade de Lisboa e por dar acesso a um vale que facilitaria o transporte da cal.
Entusiasmado com o projecto, o Ministro deu-lhe o seu aval, e o Rei assinou uma concessão por quinze anos, com um empréstimo que permitiu a William alugar uma casa perto do que seriam os fornos e para onde foi viver com o tio, que se encarregaria da contabilidade. Os fornos a construir implicavam uma nova tecnologia e melhores resultados do que os da produção tradicional. Começaram a funcionar em meados de 1758, mas foi complicado resolver a situação do combustível inglês, sobre o qual o Tesouro, pouco informado das circunstâncias, começou por lançar um imposto que tornava o projecto impraticável. Resolvido esse problema, os primeiros resultados foram extremamente positivos, mas a situação política interna e externa obrigou à suspensão das obras em Lisboa, e mais uma vez William se viu numa situação desesperada.
Entretanto, nunca perdera o contacto com a família e declarara a sua intenção de receber e apoiar os irmãos. Quando os pais decidiram aceitar a oferta, William estava falido, mas sem coragem de o declarar, e fez o que lhe era possível para organizar a vida dos quatro irmãos em Lisboa: Lewis e Jedediah seriam aprendizes em casas comerciais inglesas, e Philadelphia e John James, que fora preparado na escola do Christ's Hospital de Londres para as actividades profissionais do comércio, ficariam a viver com ele, numa situação só possível pelo apoio que lhe deram os membros da Feitoria.
No Verão de l764, o futuro marquês de Pombal pôde retomar o projecto de reconstrução de Lisboa e iniciar finalmente um percurso que viria a fazer de William e depois do irmão John James donos de uma considerável fortuna. Sempre atento, William conseguiu renovar os períodos de isenção de impostos, contando com o apoio do Ministro, não obstante a má-vontade que existia entre ele e os ingleses, em torno dos privilégios de que estes desfrutavam e que aquele tentava cercear». In Maria Leonor Machado Sousa, Os Stephens da Marinha Grande, Fundação Robinson, Famílias inglesas e a economia de Portugal, Publicações da Fundação Robinson, 4, Portalegre, 2009.

Cortesia da F. Robinson/JDACT