sábado, 9 de junho de 2012

As Navegações Atlânticas no Século XV. Manuel Fernandes Costa. «Alcançou-se da Santa Sé a nomeação, para o bispado de Marrocos, do ex-confessor de D. Filipa de Lancastre, o franciscano Fr. Aimaro de Aurelíaco e estreitaram-se as relações com Aragão, talvez com vista a uma expansão comercial mediterrânica»



Cortesia de wikipedia e jdact

A Política Peninsular no Século XV
«Quatro Estados cristãos, Portugal, Castela, Aragão e Navarra, e um muçulmano, Granada, ocupavam a Península Ibérica no início do século XV. Cada um deles prosseguia interesses políticos próprios e estabelecera a sua ordem socioeconómica e cultural. Convirá analisar sucintamente o papel que desempenharam na Europa e como decorreram as mútuas relações.
Em 1400, Portugal e Castela assentaram tréguas em Segóvia, por três anos, tréguas que foram renovadas, em 6 de Outubro de 1403, por mais dez anos. Desde o tempo de Fernando I que se vinha acentuando entre os Portugueses a convicção de que era necessário, para a segurança do Estado, libertar as rotas marítimas ameaçadas pelas frotas castelhanas e pelos corsários norte-africanos, pois, por terra, Castela cortava-nos as vias terrestres de acesso ao coração da Europa.
O tratado castelhano-aragonês de Monteagudo partilhara o norte de África, pelo rio Muluia, entre os dois países e reservara para Castela a conquista do reino granadino. Para contrariar as tendências hegemónicas castelhanas e aragonesas, contara-se com a interferência da autoridade soberana de Roma. Conseguira a diplomacia de João I de Portugal que, pela bula de 1411, «Eximie deuocionis» fosse permitido às ordens militares portuguesas colaborar na guerra justa contra os cristãos, muçulmanos e outros inimigos. Quase ao mesmo tempo celebrara-se a paz com Castela, nas seguintes bases:
  • Paz perpétua entre as duas nações, compreendendo, por banda de Castela, a França, sua aliada, e Aragão, de quem viria a ser soberano o infante Fernando;
  • Renúncia castelhana a reparações por danos sofridos na guerra com Portugal, à excepção dos ocasionados durante o período de tréguas.
Estabeleciam-se, finalmente, as condições de ratificação do tratado e as de restituição aos portugueses dos bens que tinham em Castela, à excepção dos mosteiros, igrejas e ordens de Portugal, tomados por força do Cisma. Este importante documento foi ratificado em Ávila, em 30 de Abril de 1423, depois de negociações que se arrastaram durante quatro anos.
Alcançou-se da Santa Sé a nomeação, para o bispado de Marrocos, do ex-confessor de D. Filipa de Lancastre, o franciscano Fr. Aimaro de Aurelíaco e estreitaram-se as relações com Aragão, talvez com vista a uma expansão comercial mediterrânica. Sabe-se que, sob o pretexto de pedir a mão da ex-rainha D. Branca, da Sicília, para o infante Pedro, para ali partiu, em 1412, uma embaixada constituída pelo Prior do Hospital e pelo capitão Afonso Furtado. Essa expedição, tal como outros indícios apontados, demonstra-nos que se pensava já na expansão comercial e na dilatação da fé e reconquista cristã de Marrocos, pois a embaixada passou por Ceuta onde colheu informações sobre as defesas da cidade.

O plano português de conquistas em Marrocos: Ceuta
O plano português de expansão inquietou Castela, em 1411, pois o pedido de intervenção na luta contra Granada, enviando-se-lhe 10 ou 12 galés, não passava de um pretexto dissuasor das pretensões joaninas sobre as terras norte-africanas. E a hipótese não é audaciosa porque na altura decorriam, de forma amigável, as relações castelhano-granadinas. Segundo o testemunho do Leal Conselheiro, datam de 1413 os preparativos para a conquista de Ceuta. É de 1414 a reunião de Torres Novas que decide, na presença dos Mestres das Ordens Militares, os objectivos anteriormente visados. Aproveitava-se um período de confusão do reino merínida de Fez para lhe arrebatar um importante porto comercial, no estreito de Gibraltar.
Tornava-se a cidade um centro de apoio às actividades piscatórias dos Portugueses nas águas marroquinas do Atlântico.
Na Crónica da Guiné, nas referências a Ceuta, enumeram-se os produtos ali negociados provenientes de Alexandria, da Etiópia, da Turquia, da Síria e de outras regiões do Oriente, além do Eufrates e das Índias, e pelas cartas de então tem-se demonstrado que se reconheceu a possibilidade de se circum-navegar a África e atingir o reino de Prestes João. Tanto Valentim Fernandes como Duarte Pacheco Pereira apontam o valor estratégico e comercial de Ceuta.
Sobre a penetração comercial genovesa naquela cidade, Vitorino Magalhães Godinho deixa transparecer, nas suas «notas» respeitantes à conquista de Ceuta, que a acção portuguesa em Marrocos deverá ter sido estimulada pela República de Génova. Na falta de provas de que tivéssemos actuado por influência genovesa, e havendo, pelo contrário, elementos que se podem considerar contrários, será preferível considerar a acção portuguesa concorrente à de Génova. Interessa referir que o tráfego comercial com Marrocos não só se foi mantendo mas também foi estimulado pela bula de Eugénio IV, de 25 de Maio de 1437 12, desde que se não procedesse à venda de ferro, madeiras, cordas, navios ou artigos de armamento». In Manuel Fernandes Costa, As Navegações Atlânticas no Século XV, Biblioteca Breve, volume 30, Instituto de Cultura Portuguesa, CCV Camões, Instituto Camões, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1979.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT