sábado, 30 de junho de 2012

Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista. António Quadros. «Sampaio Bruno, citando o neto do herói das Índias, abona-se, em todo o caso, nesses versos para culminar a sue tese de que ‘o sebastianismo coincide com o filosofismo’, visto que a paz anunciada surge vinculada à operação filosófica de ascender do erro»



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«Texto ambíguo, como todas as prognoses, o augúrio bandárrico ajustou-se ao restauracionismo temporalista, desde João de Castro a António Vieira, sobretudo porque a trova 88, anunciando que o ‘Encoberto’ teria um nome, permitiu a especulação exegética e propagandística. Todos quantos admitiram a referência temporal e imanentista das trovas leram ‘o seu nome é D. João’, mas a verdade é que, pelo lado judaico, só por evasiva criptonímica os judeus fiéis poderiam aceitar o nome de João como o nome do ‘Encoberto’, do ‘Príncipe da Paz Universal’. Os fiéis judeus prefeririam ler ‘D. Foão, etc.’
Aliás, escreve logo a seguir:

A aplicação do bandarrismo a Sebastião é um abuso. Com efeito, nem o Messias é, no judaísmo, um perdido que regressa, nem Alcácer Quibir foi mais do que o castigo dado aos portugueses, em vista dos pecados comeridos contra os judeus. Toda a exegese, desde Aboah a Menassé, defende esta tese, e nunca se poderia assumir que o Messias incarnasse fora do povo de Israel. A maldição lançada pelos judeus a Portugal englobou o rei Sebastião, e dela restou uma festa, celebrada desde então, o ‘Purim dos Portugueses’, ou ‘Purim de D. Sebastião’, comemorado na sinagoga. O texto litúrgico, “neguilla”, contendo a narrativa da chegada do ‘Desejado’ a Tânger é uma violenta réplica aos portugueses, a Sebastião e aos cristãos, contra os quais os judeus houveram vingança, trazida pela mão divina, em Alcácer Quibir. Esta, uma das causas pelas quais o ‘Sebastianismo’, podendo aferir algo à fundamental matriz hebraico do messianismo, não constituir, de ‘per si’, um factor judaico.

Mas continuemos a transcrever algumas das mais significativas trovas do Bandarra, não esquecendo que elas ‘falaram’, a Portugueses, quer a cristãos-novos (marranos), quer sobretudo a cristãos-velhos.
Logo no início do ‘Sonho Segundo’, Gonçalo Annes concretiza a gesta do futuro ‘bom rei Encoberto’, nalguns dos seus-versos mais famosos, em que, aliás, chega a fazer doutrina:

XCIV
Oh, quem tivera Poder
para dizer,
os sonhos que o homem sonha!
Mas fiel medo, que me ponha
grão vergonha
de mos não quererem crer.
Vi um grão Leão correr
sem se deter,
levar sua viagem,
tomar o porco selvagem
na paragem,
sem nada lho defender.

XCV
Tirará toda a escória
será paz em todo o Mundo,
de quatro Reis o segundo
haverá toda a vitória...

João de Castro, na “Paráfrase...”, apresenta os dois primeiros versos desta última quadra de outro modo: ‘Tirará, toda a Erronia, / fará Paz em todo o mundo’.
“Fará ou será Paz?”
Sampaio Bruno, citando o neto do herói das Índias, abona-se, em todo o caso, nesses versos para culminar a sue tese de que ‘o sebastianismo coincide com o filosofismo’, visto que a paz anunciada surge vinculada à operação filosófica de ascender do erro para a verdade; não é a paz, das espadas, não é o império da força; é antes um reino de verdade e de luz. O Quinto Império Português, acrescentará Fernando Pessoa insistentemente, será o ‘Império da Cultura’». In António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1983.

Continua
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT