domingo, 14 de junho de 2020

A Presa. Allison Brennan. «Rowan levou uma mão ao ventre. Tinha a sensação de que estava acontecendo algo muito grave. Um jornalista de Denver deu-me os detalhes, disse Annette com pressa…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«Rowan Smith se inteirou do assassinato de Doreen Rodriguez pelos repórteres que invadiram seu jardim. Foi na segunda-feira pela manhã. Ouviu a porta de um carro que se fechava violentamente e despertou assustada. Procurou instintivamente a pistola, que já não estava sob seu travesseiro, e enquanto procurava entre os frescos lençóis de algodão, lembrou que a tinha deixado na sua mesinha de cabeceira. Hesitou um instante, mas em seguida agarrou a Glock e sentiu o metal frio nas mãos. Não conseguia pensar num bom motivo para pegar sua pistola, mas se sentia bem empunhando-a.
Havia dormido usando uma calça de moletom e uma camiseta, um velho costume de estar preparada para qualquer coisa. Desceu descalça as escadas e da janela do seu escritório olhou para ver quem a visitava tão cedo da manhã. O som surdo de uma porta de furgão deslizando e até fechar lhe fez pensar que os visitantes eram mais de um. Com o dedo, apartou um pouco as venezianas para olhar.
Pelas suas roupas amassadas e cadernetas, soube que eram repórteres da imprensa. Os da televisão cuidavam muito mais da indumentária e aspecto. Haviam-se juntado três camionetas e dois carros na entrada da sua casa alugada em frente à praia. Rowan odiava os jornalistas. Já se tinha relacionado muito com eles quando trabalhava no FBI. Soou a campainha, e ela teve um sobressalto. Embora do seu escritório pudesse ver o jardim, não conseguia ver a porta da entrada. Ao que parecia, um dos repórteres mais ousado armou-se de coragem para tocar a campainha.
O que queriam? Acabava de conceder uma entrevista a respeito da estreia de Crime de Paixão fazia dois dias. Esperava que agora não pretendessem realizar uma entrevista colectiva. Foi até à porta e então deu conta de que levava a arma. Imaginou as manchetes: ex-agente se apresenta armada a uma entrevista. Guardou a pistola na gaveta da sua mesa de trabalho e se dirigiu a passo rápido à porta, sem quase dar-se conta do frio que estavam os ladrilhos que pisava. Ao mesmo tempo em que a campainha repetia o seu odioso ding-dong, soou o telefone. Genial. Os jornalistas a espreitavam de todas as partes. Já tinha tratado com eles, e teria que voltar a fazê-lo. Não foi, até que abriu a porta, que teve a intuição de que tinha acontecido algo ruim e que provavelmente não deveria falar com eles. Muito tarde. Tem algum comentário a fazer a respeito da morte do Doreen Rodriguez?
Não conheço Doreen Rodriguez, disse ela, sem vacilar, embora o nome a pôs em alerta. Resultava-lhe familiar, mas não conseguia situá-lo nesse instante. Enquanto tentava atar fios, uma sensação desagradável a foi invadindo. Quando ia fechar a porta, escutou outra pergunta. Não sabe que assassinaram uma mulher de vinte anos chamada Doreen Rodriguez em Denver no sábado à noite, da mesma maneira que assassinam a sua personagem Doreen Rodriguez na sua novela Crime de Oportunidade?
Rowan bateu a porta. Não temia os repórteres que se apresentavam sem terem sido convidados. Denunciá-los-ia por violação de propriedade privada sem pensar duas vezes. Só queria que seu definitivo e sonoro Sem comentários se ouvisse alto e claro. Afinal, o telefone deixou de soar. E em seguida, ao fim de trinta segundos, reiniciou-se o incessante ring-ring. Voltou correndo ao seu escritório e olhou na tela do aparelho. Era Annette, sua produtora. Levantou o fone e perguntou: que diabos está acontecendo? Assim que perguntou, ouviu que na frente da sua casa se detinha outro carro com uma travagem. Já estás sabendo. Há um montão de repórteres na frente da minha casa, e enquanto falamos estão chegando mais. Voltou a olhar pela janela. Uma das camionetas era de uma cadeia de televisão. Rowan levou uma mão ao ventre. Tinha a sensação de que estava acontecendo algo muito grave. Um jornalista de Denver deu-me os detalhes, disse Annette com pressa, pondo o acento em certas palavras. Na noite de sábado assassinaram uma rapariga de bar de vinte anos de nome Doreen Rodriguez. Ontem encontraram o seu corpo num contentor frente a, e cito, um pequeno café italiano perto do South Broadway que poderia se qualificar de pitoresco se não fosse pelas manchas de sangue nas paredes brancas da fachada.
Rowan escutou as palavras que tinha escrito anos atrás. Esfregou as têmporas e, pela primeira vez desde que renunciara ao seu posto no FBI fazia quatro anos, desejou ter um cigarro à mão. Deve ser uma brincadeira de muito mau gosto. Sinto muito, Rowan. Meu Deus, não posso acreditar que ocorra algo assim. Fechou os olhos com força, tentando assimilar o que Annette acabava de lhe dizer. Ficou sem fôlego e levou uma mão à boca. Tinha que ser uma casualidade. Algum repórter sem escrúpulos que informava sobre um crime violento e tentava criar uma notícia sensacionalista comparando-o com uma de suas novelas. Teve uma fugaz imagem do corpo ensanguentado e esquartejado de Doreen Rodriguez. Abriu os olhos imediatamente. Sua visão do assassinato era muito real porque ela a tinha criado. Não podia ser um crime similar. Certamente era só uma coincidência de nomes. Rowan, mataram-na com um facão contra a parede do restaurante, e atiraram o corpo num contentor. A voz de Annette tinha adquirido um tom febril. Trabalhava em Denver e nasceu em Albuquerque. Algum louco copiou o crime exactamente como você o escreveu». In Allison Brennan, A Presa, Ediciones Titania, 2006, ISBN 978-849-671-101-3.

Cortesia de ETitania/JDACT