terça-feira, 23 de junho de 2020

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Após algum tempo Tom tornou-se o homem de confiança do mestre construtor, e foi quando começou a ver as deficiências dele»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Numa extremidade da casa, além do salão, haveria um quarto pequeno, que era o que as filhas de conde exigiam então, por serem finas demais para dormir com os homens, as serviçais e os cães de caça. A cozinha seria um prédio separado, já que mais cedo ou mais tarde todas pegavam fogo, e não restava nada a fazer senão construí-las longe de tudo mais e tolerar a comida morna. Tom estava fazendo o vão da porta. As vigas seriam arredondadas a fim de parecer colunas, um toque de distinção para os nobres recém-casados que iriam morar ali. Com o olho no gabarito de madeira que estava usando como guia, Tom ajustou a talhadeira de ferro obliquamente na pedra e golpeou-a com delicadeza, usando o grande martelo de madeira. Uma chuva de fragmentos caiu da superfície, deixando a forma um pouco mais redonda. Ele bateu de novo. Liso o bastante para uma catedral.
Tinha trabalhado numa catedral uma vez, Exeter. No princípio havia encarado aquele trabalho como outro qualquer. Sentira-se furioso e ressentido quando o mestre construtor advertira-o de que não estava correspondendo ao padrão desejado: sabia que era um pedreiro muito mais cuidadoso do que a média. Entretanto percebera depois que as paredes de uma catedral não precisavam ser apenas boas, mas perfeitas. Além de a catedral se destinar a Deus, a construção era tão grande que a menor obliquidade nas paredes, o mais ínfimo desvio do nivelamento absoluto, enfraqueceria fatalmente a estrutura. O ressentimento de Tom transformou-se em fascinação. A combinação de um prédio demasiado ambicioso com uma impiedosa atenção ao menor dos detalhes abriu-lhe os olhos para o prodígio do seu ofício. Aprendeu com o mestre de Exeter a importância da proporção, o simbolismo de vários números e as fórmulas quase mágicas para calcular a largura correcta de uma parede ou o ângulo de um degrau numa escada espiralada. Essas coisas o cativaram. Ficou surpreso ao saber que muitos pedreiros as achavam incompreensíveis.
Após algum tempo Tom tornou-se o homem de confiança do mestre construtor, e foi quando começou a ver as deficiências dele. O homem era um grande artesão, mas um organizador incompetente. Ficava aturdido com os problemas de obter a quantidade certa de pedra para acompanhar o ritmo dos pedreiros, de verificar se o ferreiro tinha feito o número suficiente das ferramentas adequadas, de queimar cal e transportar areia para a argamassa, de derrubar árvores para os carpinteiros e de conseguir com a igreja dinheiro suficiente para pagar tudo. Se houvesse ficado em Exeter até que o mestre construtor morresse, poderia ter-se tornado mestre também; porém, a assembleia que dirigia a igreja ficou sem dinheiro, em parte por causa do mau gerenciamento do mestre, e os artífices tiveram que se dispersar, procurando trabalho em outra parte. Ofereceram a Tom o posto de construtor do castelão de Exeter, reparando e aperfeiçoando as fortificações da cidade. Um trabalho para toda a vida, salvo algum acidente. Contudo Tom rejeitara a oferta, pois queria construir outra catedral.
Sua mulher, Agnes, jamais compreendera essa decisão. Podiam ter tido uma boa casa de pedra, criados e estábulos próprios, assim como carne na mesa em todas as refeições; nunca perdoara Tom por ter rejeitado a oportunidade. Não era capaz de compreender a atracção irresistível de construir uma catedral: a absorvente complexidade de organização; o desafio intelectual dos cálculos; o tamanho puro e simples das paredes; a grandeza e beleza emocionantes do prédio acabado. Tendo provado uma vez desse vinho, nunca mais Tom se satisfez com menos. Aquilo fora dez anos antes. Desde então não se tinham demorado em parte alguma por muito tempo. Nada além de projectar uma nova casa para o cabido de um mosteiro, trabalhar um ou dois anos num castelo, ou construir uma casa na cidade para um rico mercador; porém, assim que economizava o bastante, deixava tudo, e com mulher e filhos pegava a estrada, procurando outra catedral». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.

Cortesia de EPresença/JDACT