sexta-feira, 19 de junho de 2020

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «O xerife era o primeiro, montado num belo corcel negro, seguido por um carro de boi que trazia o prisioneiro amarrado. Atrás dele vinham três homens a cavalo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) De vez em quando as pessoas se empertigavam, como faz o precavido pardal, e levantavam os olhos para o castelo situado na colina que dominava a cidade. Viam fumaça se erguendo regularmente da cozinha, e o ocasional clarão de uma tocha por trás das seteiras da fortaleza de pedra. Depois, mais ou menos na hora em que o sol devia ter começado a nascer por trás da densa nuvem cinzenta que encobria o céu, abriram-se as enormes portas de madeira maciça do aposento construído sobre o portão da cidade e que servia de cárcere, e saiu um pequeno grupo. O xerife era o primeiro, montado num belo corcel negro, seguido por um carro de boi que trazia o prisioneiro amarrado. Atrás dele vinham três homens a cavalo, e, embora seu rosto não pudesse ser visto daquela distância, suas roupas revelavam que eram um cavaleiro, um sacerdote e um monge. Dois homens armados encerravam a procissão.
Todos haviam estado na corte do condado, realizada na nave da igreja, no dia anterior. O sacerdote tinha apanhado o ladrão em flagrante delito; o monge identificara o cálice de prata como pertencente ao mosteiro; o cavaleiro era o lorde do ladrão e declarara que ele era um fugitivo; e o xerife o condenara à morte. Enquanto eles desciam lentamente a colina, o resto da cidade reunia-se em torno do patíbulo. Entre os últimos a chegar estavam os cidadãos mais eminentes: o açougueiro, o padeiro, dois ferreiros, o cuteleiro e o fabricante de flechas, todos com as mulheres. A atitude da multidão era estranha. Em geral aquela gente gostava de enforcamentos. Em geral o prisioneiro era um ladrão, e todos odiavam os ladrões com a paixão das pessoas cujas posses foram duramente conquistadas com aquele criminoso, no entanto, era diferente. Ninguém sabia quem era ou de onde vinha. Não tomara nada deles, mas de um mosteiro situado a mais de vinte milhas de distância. E tinha roubado um cálice cravejado de pedras preciosas, uma coisa de tão grande valor que era virtualmente impossível de vender, nada parecido com roubar um presunto, uma faca nova ou um bom cinturão, cuja perda significaria prejuízo para alguém. Não podiam odiar um homem por um crime despropositado. Houve algumas zombarias e vaias quando o prisioneiro entrou na praça, mas sem grande entusiasmo, com excepção do demonstrado pelos garotos.
A maior parte dos habitantes da cidade não havia estado na corte, porque dias de julgamento não eram feriados e todos precisavam ganhar a vida, de modo que era a primeira vez que viam o ladrão. Era jovem, entre vinte e trinta anos, de altura e peso normais; por outro lado, porém, tinha uma estranha aparência. Sua pele era branca como a neve que se acumulava em cima dos telhados, os olhos, verdes, protuberantes e surpreendentemente luminosos, e o cabelo, da cor de uma cenoura. As moças o acharam feio; as velhas sentiram pena dele; os garotos riram até cair no chão. O xerife era uma figura familiar, mas os outros três homens que tinham selado o destino do ladrão eram estranhos. O cavaleiro, um homem corpulento de cabelo louro, era claramente uma pessoa de alguma importância, pois montava um cavalo de batalha, um animal enorme que custava tanto quanto um carpinteiro ganhava em dez anos. O monge era muito mais velho, com uns cinquenta anos talvez, ou mais, um homem alto e magro que se sentava na sela curvado, como se a vida fosse para ele um fardo tedioso. O mais surpreendente era o sacerdote, um jovem de nariz afilado e cabelo preto escorrido, com hábito também preto e montando um garanhão castanho. Tinha um ar perigoso, alerta, como um gato preto que houvesse sentido o cheiro de uma ninhada de camundongos.
Um garotinho mirou cuidadosamente e cuspiu no prisioneiro. Tinha boa mira, pois atingiu-o bem no meio dos olhos. Ele rosnou uma praga e arremeteu contra o cuspidor, mas foi contido pelas cordas que o amarravam nas laterais do carro. O incidente não foi notável, a não ser pelo facto de ele ter falado francês normando, a língua dos lordes. Ele era bem-nascido então? Ou apenas estava muito longe de casa? Ninguém sabia. O carro de boi parou ao pé do cadafalso. O auxiliar do xerife subiu com o baraço na mão. O prisioneiro começou a lutar. Os garotos vibraram, teriam ficado desapontados se ele permanecesse calmo. Os movimentos do homem eram contidos pelas cordas amarradas nos pulsos e tornozelos, mas ele sacudiu a cabeça de um lado para o outro, esquivando-se. Após um momento o meirinho, um homem enorme, recuou e lhe deu um soco no estômago. Ele se dobrou e a corda foi passada pelo seu pescoço. Depois de apertar o nó, o meirinho pulou para o chão e puxou a corda até esticá-la, amarrando a outra extremidade a um gancho na base do cadafalso». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.

Cortesia de EPresença/JDACT