terça-feira, 23 de junho de 2020

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Posso conseguir um bom emprego, numa cidade, disse ele, tentando apaziguá-la. Uma catedral, ou um palácio»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Ergueu os olhos da bancada e viu Agnes na orla do terreno onde se realizava a construção, segurando uma cesta de comida numa das mãos e apoiando uma grande jarra de cerveja no quadril oposto. Era meio-dia. Ele contemplou-a afectuosamente. Ninguém jamais a chamaria de bonita, mas seu rosto tinha força: testa larga, grandes olhos castanhos, nariz recto, queixo forte. O cabelo escuro e grosso era dividido ao meio e preso atrás. Era a alma irmã de Tom. Agnes serviu cerveja para Tom e Alfred. Eles ficaram parados ali por um momento, os dois homens grandes e a mulher forte, bebendo cerveja em canecos de madeira, até que o quarto membro da família apareceu, saindo saltitante do campo de trigo: Martha, sete anos de idade e linda como um narciso, embora faltasse uma pétala, pois dois dentes de leite haviam caído. Ela correu para o pai, beijou sua barba poeirenta e pediu um gole de sua cerveja. Tom abraçou seu corpinho ossudo. Não beba demais, para não cair numa vala, disse ele. Ela saiu cambaleando num círculo, fingindo que estava embriagada. Todos se sentaram na pilha de madeira. Agnes passou para Tom um naco de pão de trigo, uma fatia grossa de toucinho cozido e uma cebola. Ele deu uma mordida na carne e começou a descascar a cebola. Agnes deu comida às crianças e começou ela própria a comer também. Talvez, pensou Tom, tenha sido irresponsabilidade rejeitar aquele trabalho monótono em Exeter e sair procurando uma catedral para construir; mas sempre fui capaz de alimentar todos, a despeito da minha inquietude. Ele apanhou sua faca no bolso da frente do avental de couro e cortou um pedaço da cebola, que comeu com uma fatia de pão. A cebola era doce mas picante. Estou com criança de novo, disse Agnes. Tom parou de mastigar e encarou-a espantado. Uma sensação de deleite apossou-se dele. Sem saber o que dizer, limitou-se a sorrir tolamente.
Após alguns momentos ela corou e disse: não é nada assim tão surpreendente. O marido abraçou-a. Ora, ora, disse, ainda sorrindo de prazer. Um bebé para puxar minha barba. E eu que pensei que o próximo seria do Alfred. Não fique feliz demais, advertiu Agnes. - Não dá sorte falar na criança antes de ela nascer. Tom assentiu com a cabeça. Agnes já tivera diversos abortos e uma criança nascida morta, além de uma garotinha, Matilda, que só vivera dois anos. Mesmo assim, eu gostaria que fosse um menino, disse ele. Alfred já está tão grande!... Quando deve nascer? Depois do Natal. Tom começou a calcular. A estrutura da casa estaria terminada à época da primeira nevada, quando o trabalho de pedra teria que ser coberto com palha para ficar protegido no Inverno. Os pedreiros gastariam os meses de frio cortando pedras para janelas, abóbadas, estruturas de portas e a lareira, enquanto o carpinteiro prepararia as tábuas para o assoalho, portas e persianas e Tom construiria o andaime para o trabalho no andar de cima. Na Primavera eles fariam a abóbada do andar térreo, forrariam o piso do salão e montariam o telhado. O trabalho alimentaria a família até ao domingo de Pentecostes, quando então o bebé já teria seis meses de idade. Aí eles se mudariam.
Óptimo, disse ele, contente. Isto é óptimo. E comeu outra fatia de cebola. E estou velha demais para ter filhos, disse Agnes. Este tem que ser o último. Tom pensou naquilo. Não estava certo da idade dela, em números, mas muitas mulheres tinham filhos naquela época da vida. No entanto, era verdade que sofriam mais à medida que ficavam mais velhas, e que os bebés não nasciam tão fortes. Sem dúvida Agnes estava com a razão. Mas como poderia ter certeza de que não conceberia de novo?, perguntou-se Tom. Só então percebeu como, e uma nuvem sombreou seu ensolarado estado de espírito.
Posso conseguir um bom emprego, numa cidade, disse ele, tentando apaziguá-la. Uma catedral, ou um palácio. Aí poderemos ter uma casa grande com chão de madeira e uma criada para ajudar-te com o bebé. Pode ser, disse ela cepticamente, o rosto enrijecido. Não gostava daquela conversa de catedrais. Se Tom nunca tivesse trabalhado numa catedral, podia estar morando numa casa na cidade agora, com dinheiro economizado e enterrado sob a lareira, sem nada para preocupá-la. Tom desviou o olhar e deu outra mordida no toucinho. Tinham o que celebrar, mas estavam em desarmonia. Sentiu-se deprimido. Mastigou a carne dura por um momento, depois ouviu um cavalo. Inclinou a cabeça para escutar. Um cavaleiro estava atravessando uma região cheia de árvores, vindo da direcção da estrada, tomando um atalho e evitando a aldeia. Um momento depois, um jovem montado num pónei aproximou-se a trote e desmontou. Parecia um escudeiro, uma espécie de cavaleiro aprendiz. O seu lorde está vindo aí, disse ele.
Tom ergueu-se. Está-se referindo a lorde Percy? Percy Hamleigh era um dos homens mais importantes do país. Possuía aquele vale e muitos outros, e estava pagando pela casa. O filho dele, disse o escudeiro. O jovem William. O filho de Percy, William, iria ocupar aquela casa após seu casamento. Estava noivo de lady Aliena, a filha do conde de Sharing. Ele mesmo, confirmou o escudeiro. E está furioso. O coração de Tom confrangeu-se. Quando tudo corria bem já era difícil tratar com o proprietário de uma casa em construção, com um proprietário enfurecido era impossível.
Porque ele está furioso? Sua noiva o rejeitou. A filha do conde?, exclamou Tom, surpreso. Sentiu uma pontada de medo; naquele instante mesmo estivera pensando em como seu futuro era seguro. Pensei que isso já estivesse resolvido. Todos nós pensamos, excepto lady Aliena, ao que parece, disse o escudeiro. No momento em que se encontrou com ele, disse que não o desposaria por nada deste mundo. Tom franziu a testa, preocupado. Não queria que aquilo fosse verdade. Mas o rapaz não é feio, que me lembre. Como se isso fizesse qualquer diferença, na posição dela, disse Agnes. Se as filhas de condes fossem autorizadas a se casar com quem bem entendessem, estaríamos recebendo ordens de menestréis ambulantes e foras-da-lei. A garota ainda pode mudar de ideia, disse Tom, esperançoso. Mudará, se a mãe lhe der uma surra de vara de marmelo, disse Agnes. A mãe dela está morta, disse o escudeiro. Agnes balançou a cabeça, concordando». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.

Cortesia de EPresença/JDACT