domingo, 28 de junho de 2020

O Vale das Bonecas. Jacqueline Susann. «Refugiara-se, então, cada vez mais, nos livros e mesmo ali encontrava uma norma que se repetia: parecia que, virtualmente, todos os escritores que admirava…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Anne riu, e ela continuou: está bem, vai ver. Espere até se ver envolvida com alguns dos Romeus desta cidade. Aposto que volta para Lawrenceville pelo primeiro comboio. E não se esqueça de me apanhar no caminho e de me levar junto. Ela jamais voltaria a Lawrenceville. Não tinha apenas deixado Lawrenceville. Tinha fugido de lá. Fugido de um possível casamento com algum sólido rapaz de Lawrenceville e da sólida e monótona vida de Lawrenceville. Da mesma monotonia em que sua mãe vivia. E a mãe de sua mãe. Da mesmíssima casa em que viveram gerações e gerações de uma boa família da Nova Inglaterra, todas elas sufocadas por emoções disfarçadas sob uma armadura de aço chamada boas maneiras. (Anne, uma senhora nunca ri alto. Anne, uma senhora nunca chora em publico. Mas não estou em público, mãe. Estou chorando aqui, na cozinha. Uma senhora só chora quando esta sozinha. Já não é uma criança, Anne, e sua tia Amy está presente. Agora, vá para o seu quarto).
De alguma forma, Lawrenceville a perseguira até Radcliffe. Lá havia garotas que riam, que choravam, que faziam mexericos, que viviam, enfim, os altos e baixos da vida. Ela nunca fora, porém, convidada a fazer parte daquele mundo. Era como se estivesse usando um emblema que dizia Conserve-se a distância. Tipo frio e reservado da Nova Inglaterra.
Refugiara-se, então, cada vez mais, nos livros e mesmo ali encontrava uma norma que se repetia: parecia que, virtualmente, todos os escritores que admirava haviam deixado as suas cidades natais. Hemingway alternava a Europa com Cuba e Bimini. O pobre e confuso, mas talentoso, Fitzgerald também vivera no estrangeiro. Até o ruivo, com cara de estúpido, Sinclair Lewis, encontrara romance e excitamento na Europa. Fugiria de Lawrenceville. Simplesmente. Anne decidiu-se a isso no seu último ano no colégio e informou a mãe e a tia Amy durante as férias de Páscoa. Mãe, tia Amy…, quando eu sair da escola vou para Nova York. Péssimo lugar para as férias. Pretendo viver lá. Já discutiu isso com Willie Henderson? Não. Porque é que deveria discutir? Bem, têm andado juntos desde que tinha dezasseis anos. Naturalmente, toda a gente imagina… Exactamente. Em Lawrenceville tudo é imaginação suposto. Anne, está levantando a voz, disse-lhe a mais calmamente. Willie Henderson é um óptimo rapaz. E fui colega de escola de seus pais. Mas eu não o amo, mãe.
Nenhum homem pode ser amado, replicou tia Amy. Você não amou o pai, mãe? Não era uma pergunta, era quase uma acusação. É claro que o amei. Sua voz tornou-se áspera. O que sua tia quer dizer é que…, bem, os homens são diferentes. Eles não pensam e não reagem como as mulheres. Veja o exemplo do seu pai. Um homem extremamente difícil de compreender. Era impulsivo e apreciava uma bebida. Se ele se tivesse casado com qualquer outra pessoa, que não eu, teria certamente tido um mau fim». In Jacqueline Susann, O Vale das Bonecas, 1967, Edições Contraponto, 2010, ISBN 978-989-666-078-9.

Cortesia de EContraponto/JDACT