sábado, 27 de junho de 2020

Rainha Branca. Philippa Gregory. «Thomas vê a cabeça loura descoberta no meio de toda a fúria e barulho, e grita: hurra!, como o menino que ele é. Ao ouvir sua voz aguda…»

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Primavera 1464
«(…) Meus filhos Thomas, de 9 anos, e Richard, de 8, estão usando as suas melhores roupas; seus cabelos foram humedecidos e assentados, os rostos reluzentes após serem lavados com sabão. Com cada um de um lado, seguro firme as suas mãos, pois são meninos de verdade, e por isso atraem sujeira para si como que por magia. Se eu os soltasse por um segundo, um arranhará os sapatos e o outro rasgará a meia, os dois ficarão com folhas no cabelo e lama no rosto, e Thomas certamente cairá no riacho. Assim como estão, seguros pelo meu punho, pulam de uma perna para a outra num tédio agonizante, e ficam erectos só quando digo: silêncio, ouço cavalos.
Primeiro, soa como chuva e, então, num instante ressoa como um trovão. O tinido dos arreios e o tremular dos estandartes, o tilintar da cota de malha e o bufar dos cavalos, o som, o cheiro e o estrondo de uma centena de cavalos conduzidos com firmeza são esmagadores e, embora eu esteja determinada a avançar e detê-los, acabo recuando. Como deve ser enfrentar esses homens cavalgando para combater, com suas lanças estendidas, como um muro de estacas galopantes? Como alguém pode enfrentar isso? Thomas vê a cabeça loura descoberta no meio de toda a fúria e barulho, e grita: hurra!, como o menino que ele é. Ao ouvir sua voz aguda, vejo a cabeça do homem virar, ver a mim e os meninos, sua mão puxar as rédeas e ele gritar: parem! Seu cavalo empina, forçado a se deter, e todos os outros cavaleiros giram, param e praguejam com a parada súbita. E então, abruptamente, tudo silencia e uma nuvem de poeira eleva-se ao nosso redor.
Seu cavalo bufa, balança a cabeça, mas o cavaleiro no seu dorso é como uma estátua num pedestal. Ele está olhando para mim e eu para ele, e o silêncio é tal que é possível ouvir um tordo nos galhos do carvalho que se estendem acima de mim. Como canta! Meu Deus canta como um murmúrio glorioso, como alegria transformada em som. Nunca ouvi um pássaro cantar dessa maneira, como se fosse um hino à felicidade.

Dou um passo à frente, sem largar as mãos dos meus filhos, e abro a boca para expor a minha causa, mas nesse momento, nesse instante crucial, não sei o que dizer. Pratiquei intensamente. Tinha um pequeno discurso preparado, mas agora não me lembro de nada. É quase como se eu não precisasse de palavras. Simplesmente olho para ele e, não sei como, espero que ele compreenda tudo, o meu medo do futuro, minhas esperanças por meus meninos, minha falta de dinheiro, a piedade irritante de meu pai, que a vida sob o mesmo tecto que ele é algo insuportável para mim, a frieza da minha cama à noite, meu anseio por outro filho, a sensação de que a minha vida acabou. Meu Deus, só tenho 27 anos, minha causa foi derrotada, meu marido está morto. Serei uma das muitas viúvas pobres que passarão o resto de suas vidas ao pé da lareira de outra pessoa, esforçando-se para ser uma hóspede agradável? Nunca mais serei beijada? Nunca sentirei alegria? Nunca mais? O pássaro continua a cantar, como se quisesse dizer que o deleite é fácil para aqueles que o desejam.
Ele faz um gesto com a mão para o homem mais velho ao seu lado, o qual grita uma ordem; os soldados tiram os cavalos da estrada e vão para a sombra das árvores. Mas o rei salta do seu grande cavalo, solta as rédeas e caminha na minha direcção. Sou uma mulher alta, mas minha cabeça bate no ombro dele, deve ter mais de l,80m. Meus filhos esticam o pescoço para olhá-lo, ele lhes parece um gigante. Tem o cabelo louro, os olhos cinza, um rosto bronzeado, franco e sorridente, encantador, com uma graça natural. Esse é um rei como nunca vimos na Inglaterra: é um homem que o povo amará só de olhar para ele. Ele me fita como se eu soubesse de um segredo que precisasse ser guardado, como se nos conhecêssemos desde sempre, e sinto minha face queimar, mas não consigo desviar os olhos do seu rosto.
Uma mulher modesta baixaria os olhos, os manteria fixos nos sapatos; uma suplicante faria uma reverência profunda e estenderia uma de suas mãos suplicantes. Mas eu permaneço erecta, espantada comigo mesma, analisando-o como uma camponesa ignorante, e percebo que não consigo tirar meus olhos dos dele, da sua boca sorridente, do seu olhar que queima o meu rosto. Quem é essa?, pergunta ele, ainda me observando. Vossa Graça, esta é minha mãe, lady Elizabeth Grey, responde meu filho Thomas de forma cortês, tirando o chapéu e apoiando um dos joelhos no chão. Richard, do outro lado, também se ajoelha e murmura, como se não pudesse ser ouvido: este é o rei? De verdade? É o homem mais alto que já vi na minha vida! Faço uma reverência profunda, mas ainda não consigo desviar o olhar. Pelo contrário, encaro-o, como uma mulher que dirige um olhar excitado ao homem que ela adora». In Philippa Gregory, Rainha Branca, 2009, Civilização Editora, Porto, 2010, ISBN 978-972-263-012-2.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT