Cortesia
de wikipedia e jdact
«O
Deus das Pequenas Coisas é a história de três gerações de uma família da região
de Kerala, no sul da Índia, que se dispersa por todo o mundo e se reencontra na
sua terra natal. Uma história feita de muitas histórias. A história dos gémeos
Estha e Rabel, nascidos em 1962, por entre notícias de uma guerra perdida. A de
sua mãe Ammu, que ama de noite o homem que os filhos amam de dia, e de Velutha,
o intocável deus das pequenas coisas. A da avó Mammachi, a matriarca cujo corpo
guarda cicatrizes da violência de Pappachi. A do tio Chacko, que anseia pela
visita da ex-mulher inglesa, Margaret, e da filha de ambos, Sophie Mol. A da
sua tia-avó mais nova, Baby Kochamma, resignada a adiar para a eternidade o seu
amor terreno pelo padre Mulligan... Estas são as pequenas histórias de uma
família que vive numa época conturbada e de um país cuja essência parece
eterna. Onde só as pequenas coisas são ditas e as grandes coisas permanecem por
dizer. O Deus das Pequenas Coisas é uma apaixonante saga familiar que, pelos
seus rasgos de realismo mágico, levou a crítica a comparar Arundhati Roy com
Salman Rushdie e García Márquez. Em 1997, mereceu o Booker Prize, o mais
importante prémio literário da língua inglesa». In Sinopse
«Maio
em Ayemenem é um mês quente e abafado. Os dias são longos e húmidos. O rio estreita
e corvos pretos devoram mangas reluzentes nas árvores imóveis no seu verde-pó. Bananas
vermelhas amadurecem. Jacas rebentam. Vespas dissolutas zumbem indolentemente
no ar suculento. Depois chocam contra a limpidez das vidraças e morrem, inchadas
e aturdidas pelo sol. As noites são límpidas, mas inundadas de ócio e de
soturna expectativa. Porém, no princípio de Junho, a monção sudoeste irrompe e
principiam três meses de vento e água, com pequenas abertas de sol brilhante
que crianças excitadas aproveitam para brincar. O campo cobre-se de um verde
atrevido. As fronteiras esbatem-se à medida que as sebes de tapioca ganham raiz
e florescem. Muros de tijolo cobrem-se de verde-musgo. As pimenteiras
serpenteiam pelos postes de electricidade. Trepadeiras silvestres rebentam por entre
as margens de laterite e galgam as estradas inundadas. Barcos bolinam nos
bazares. E peixe miúdo agita-se nas poças que enchem os buracos nas estradas do
Departamento de Obras Públicas.
Chovia quando Rahel regressou a
Ayemenem. Oblíquas cordas prateadas estoiravam sobre a terra solta, sulcando-a
como pólvora. A velha casa na colina usava o telhado inclinado com beiral como
quem usa um chapéu de aba descaída enterrado até às orelhas. As paredes, raiadas
de musgo, tinham-se tornado moles e ligeiramente bojudas devido à humidade proveniente
do solo. O jardim selvagem e pujante estava repleto do sussurro e frémito de vidas
diminutas. Por entre a vegetação rasteira, uma cobra esfregava-se contra uma
pedra cintilante. Rãs amarelas, enormes e esperançadas, navegavam pelo lago
escumoso à procura de parceiros. Um mangusto encharcado disparou pela alameda
coberta de folhas.
A casa parecia vazia. As portas e
as janelas estavam trancadas. A varanda da frente deserta. Sem mobília. Mas o
Plymouth azul-celeste com barbatanas cromadas ainda estava parado lá fora e
Baby Kochamma ainda estava viva lá dentro. Era a tia-avó de Rahel, a irmã mais
nova do seu avô. O seu verdadeiro nome era Navomi, Navomi Ipe, mas todos lhe
chamavam Baby. Tornou-se Baby Kochamma quando já tinha idade suficiente para
ser tia. Rahel não a viera ver, porém. Nem sobrinha nem tia-avó alimentavam
ilusões a esse respeito. Rahel viera ver o irmão, Estha. Eram gémeos biovulares.
Dizigóticos, chamavam-lhes os médicos. Nascidos de dois óvulos separados mas
fertilizados simultaneamente. Estha, Esthappen, era mais velho dezoito minutos.
Estha e Rahel nunca se pareceram muito, e mesmo quando eram crianças de braços
magros e peito liso, com lombrigas na barriga e poupa à Elvis Presley, não
despertavam o habitual Quem é quem? e Qual é qual?, a parentes demasiado
sorridentes ou aos bispos sírios ortodoxos que amiúde visitavam a casa de
Ayemenem pedindo donativos.
A confusão alojava-se num lugar
mais fundo e secreto. Nesses primeiros anos amorfos, quando a memória estava
ainda a começar, quando a vida parecia cheia de Princípios e sem Fins e Tudo
era Para Sempre, juntos Esthappen e Rahel consideravam-se como Eu e, separada e
individualmente, como Nós. Como se fossem uma espécie rara de gémeos siameses,
fisicamente separados mas com identidades unidas. Agora, passados esses anos,
Rahel lembra-se de acordar uma noite aos risinhos por causa do sonho divertido
de Estha. Guarda também outras lembranças que não tem o direito de guardar. Lembra-se,
por exemplo (embora não tenha lá estado), do que o Homem Laranjada Limonada fez
a Estha no Cinema Fitas Abhilash. Lembra-se do sabor das sandes de tomate, sandes
de Estha, que Estha comia, no Expresso de Madrasta para Madrasta. E estas eram
apenas as pequenas coisas». In Arundhati Roy, O Deus das Pequenas Coisas,
1997, Edições ASA, 1998, ISBN 972-411-937-8.
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