sábado, 27 de junho de 2020

Barbara Wood. Solo Sagrado. « Ainda não estive lá dentro, disse ele. Há um geólogo e uma dupla de especialistas explorando a caverna neste momento para verificar a estabilidade estrutural»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Quando Érica saiu do carro e sentiu o vento da noite no rosto, olhou enfeitiçada para a cena horripilante. Já tinha visto fotos nos jornais e ouvido relatos de testemunhas sobre o acontecimento, como o terremoto de algum modo desestabilizou o solo sob a comunidade fechada de Emerald Hills Estates, um enclave exclusivo nas montanhas de Santa Mónica, causando o afundamento repentino de uma piscina e ameaçando o resto das casas com o mesmo destino. Mas nada a preparara para o que os seus olhos contemplavam agora.
Embora a leste o céu estivesse começando a clarear, a noite ainda era um manto escuro e refractário sobre Los Angeles, tanto que tiveram que trazer luzes de emergência. Sóis feitos por homens, colocados a intervalos em torno do perímetro do sítio, iluminando um quarteirão do bairro superelegante onde as casas sobressaíam como templos de mármore na lua leitosa. No centro dessa cena surrealista havia uma cratera negra, a boca do diabo que engolira a piscina do famoso produtor de cinema Harmon Zimmerman. Helicópteros zumbiam no céu, projectando círculos de luzes que cegavam os topógrafos montando seus equipamentos, geólogos chegando com brocas e mapas, homens com capacetes aquecendo as mãos em copos de café enquanto esperavam pelo amanhecer, e policiais tentando evacuar os residentes que se recusavam a sair.
Mostrando a carteira que a identificava como antropóloga do Instituto Arqueológico do Estado, Érica e seu assistente receberam permissão para transpor a faixa amarela que mantinha a multidão afastada. Eles correram para a cratera, onde os bombeiros do condado de Los Angeles estavam inspecionando a borda do desmoronamento. Érica procurou rapidamente pela entrada da caverna. É aquilo ali?, perguntou Luke, apontando com o braço comprido para o outro lado da cratera. Érica pôde apenas divisar, uns dois metros e pouco abaixo do nível do chão, uma abertura na lateral da escarpa. Parece perigoso, dra. Tyler. Está pensando em entrar?
Já entrei em cavernas antes. Que diabos você está fazendo aqui! Érica virou-se rapidamente para ver um homem alto com um cabelo grisalho vindo a passos largos na sua direcção, com uma expressão severa no rosto. Sam Carter, o principal arqueólogo estadual do Instituto de Preservação Histórica da Califórnia, um homem que usava suspensórios coloridos e falava com voz ruidosa. E que claramente não estava feliz em vê-la. Sabe por que estou aqui, Sam, disse Érica, enquanto tirava o cabelo do rosto e olhava para o caos em volta. Moradores das casas ameaçadas estavam discutindo com a polícia e se recusando a deixar suas propriedades. Fale-me da caverna. Já foi lá dentro? Sam notou duas coisas: que os olhos de Érica brilhavam com uma febre interior e que seu blazer estava abotoado errado. Era óbvio que ela largara tudo e viera de Santa Barbara como se estivesse pegando fogo.
Ainda não estive lá dentro, disse ele. Há um geólogo e uma dupla de especialistas explorando a caverna neste momento para verificar a estabilidade estrutural. Assim que eles derem permissão, vou dar uma olhada. Agora que Érica estava aqui, não seria fácil livrar-se dela. A mulher grudava feito cola quando punha alguma coisa na cabeça. E o Projeto Gaviota? Imagino que o deixou em mãos apropriadas? Érica não o escutou. Estava olhando para a fenda na encosta e pensando nas botas pesadas calcando a delicada ecologia da caverna. Rezou para que não tivessem destruído evidências históricas preciosas inadvertidamente. A arqueologia nestas colinas já era bastante insignificante, apesar do facto de pessoas terem vivido aqui por dez mil anos. As poucas cavernas encontradas renderam muito pouco, porque no início do século XX tractores e dinamites destruíram estas montanhas selvagens para abrir caminho para estradas, pontes e o progresso humano. Sítios cemiteriais foram cobertos com arado, montes de aldeias aplainados, todos os traços de antigas habitações humanas obliterados. Érica?, chamou ele. Preciso entrar, disse ela. Ele sabia que ela referia-se à caverna. Érica, nem você sequer devia estar aqui. Designe-me para o trabalho, Sam. Você vai fazer a escavação. E ossos foram encontrados, disseram no noticiário. Érica... Por favor». In Barbara Wood, Solo Sagrado, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-119-5.

Cortesia de ERecord/JDACT