quarta-feira, 10 de junho de 2020

Chaves e as suas Fortificações. Paulo Dordio. «A nível local desenvolve-se uma mentalidade e culturas autárquica que privilegia o ideal de auto-suficiência»

Cortesia de wikipedia e jdact

Evolução urbana e arquitectónica
Cidade Portuguesa no Tempo
«(…) A explicação da cultura político-institucional prevalecente no passado, matricialmente distinta, e da forma como esta lidava com a divisão territorial, são dois dos temas explorados por aquela nova investigação histórica a qual reafirma então que o conceito de Estado não deve ser usado para analisar os universos político-institucionais do Antigo Regime, caracterizados na teoria e na prática, até meados do século XVIII, pela coexistência, a par da coroa, de diversos corpos dotados de uma esfera de jurisdição própria e irredutível, onde se incluiriam, entre outros, a Igreja, o poder senhorial e, também, o poder municipal. Esta investigação, que se estendeu à história da sociedade portuguesa medieval, moderna e contemporânea, bem como das formas da sua expressão territorial, acentuaria a vitalidade e a autonomia dos corpos políticos locais bem como a dimensão anti-regional do poder municipal ao mesmo tempo que constatava a escassez dos meios ao dispor do poder central, para a concretização do projecto de centralização política cujo anúncio precoce data da Baixa Idade Média e em particular dos reinados de Afonso III (1245-1279) e de Dinis I (1279-1325). Não mais seria possível enfrentar o estudo do urbanismo português sem as perspectivas abertas por este aprofundamento irredutível dos conceitos e das premissas.
A rede urbana portuguesa, aparentemente imobilizada no tempo, da Baixa Idade Média à Contemporaneidade, constituída por uma boa armadura de pequenos centros urbanos que contrasta com a inexistência das cidades médias adquire todo um novo significado quando explicada no âmbito da matriz institucional do espaço político de Antigo Regime (António Manuel Hespanha. Ao basear a estrutura de legitimação do poder na tradição, o espaço habitado por uma comunidade natural passa a constituir a unidade política básica. Desta matriz decorre quer a rigidez e indisponibilidade da organização política do espaço quer a sua miniaturização. A nível local desenvolve-se uma mentalidade e culturas autárquica que privilegia o ideal de auto-suficiência. A incapacidade para crescer é outra das consequências desta matriz e cultura políticas. As palavras que José Mattoso utiliza para descrever os concelhos medievais do interior poderiam aplicar-se à generalidade dos núcleos urbanos concelhios ao longo de todo o Antigo Regime: quero-me referir particularmente à constante tendência para as cidades crescerem, alargando o espaço que ocupam, atraindo mais gente, diversificando as funções económicas e multiplicando os poderes. Os concelhos medievais do interior têm uma capacidade de expansão limitada. Quando alargam o seu território tendem a fragmentar-se em concelhos menores. (…). Ao fim e ao cabo, parece ser a tendência autonómica dos concelhos do interior em relação ao poder central, e a compartimentação do espaço que eles controlam, os dois factores determinantes da sua feição estática em termos urbanísticos. Concomitantemente, não se verifica um processo de hierarquização dos núcleos urbanos. E no pensamento político, a boa dimensão de uma povoação é a que não ultrapassava a escala local: as cidades, reescrevia-se em Portugal no século XVII, não deviam ser muito grandes nem muito pequenas, seguindo a mediania aristotélica, de modo a que fosse possível ouvir em todos os cantos a voz do pregoeiro, isto é, onde a sociabilidade fosse a de uma comunidade (Manuel Botelho Ribeiro Pereira, Diálogos Moraes e Políticos.
Por outro lado, os conceitos de centro e periferia são os adoptados para descrever e explicar a relação entre a Coroa e os corpos políticos autónomos como os municípios ou as cidades. As expressões designam não tanto espaços geográficos delimitados mas antes, de um lado, a zona central onde se definem os símbolos, valores e crenças que governam a sociedade, e, por outro lado, a grande maioria da população que se encontra mais ou menos distanciada desse centro. A aludida inexistência da dimensão regional é então igualmente equacionada no âmbito dos processos de centralização régia e da escassez dos meios de extensão à periferia ao dispor do poder central (António Manuel Hespanha, Centro e Periferia nas estruturas administrativas do Antigo Regime, Ler História, nº 8, 1986). As características da rede urbana portuguesa adquirem também aqui significado: parece evidente, aliás, que uma das características que se apontam à rede urbana portuguesa no Antigo Regime, designadamente, a quase inexistência de cidades de média dimensão, tem também (e muito) a ver com isso: não existiam capitais de unidades administrativas regionais. Ser sede de comarca era muito pouco, até porque chegou a haver mais de quatro dezenas e algumas, como Chão de Couce no início do século XIX, não chegavam a ter três centenas de fogos. A cidade como modelo de organização do território e ideal de vida humana, a cultura e mentalidades urbanas, seriam um dos ingredientes do património da zona central da sociedade. É desta forma que para José Mattoso, o próprio processo de centralização régia poderia ser visto como a extensão à periferia da mentalidade urbana: se o que se tem chamado a história nacional não é, afinal, apenas a da centralização régia, e se esta não constitui pouco mais do que o prolongamento da uniformização citadina, assumindo aqui a palavra periferia o duplo sentido geográfico e social». In Paulo Dordio, Chaves e as suas Fortificações, Evolução urbana e arquitectónica, ARQUEOHOJE, Chaves. Levantamento Arquivístico e Bibliográfico. 2006, Chaves, Arquivo Municipal de Chaves, 2015, Wikipedia.

Cortesia doAMChaves/ARQUEOHOJE/JDACT