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A rainha morreu em 1336, quando, uma vez mais, tentava fazer a paz em nome do filho.
Desta feita, o adversário era Afonso XI, rei de Castela, seu neto e genro de Afonso.
O belicoso rei português declarou-lhe guerra quando este fez menção de repudiar
a mulher para assumir uma relação com Leonor Gusmão. Dona Isabel partiu em direcção
à fronteira para tentar mediar uma conversação de paz, mas, aos 66 anos, não resistiu
a dias de viagem sob o calor de Julho, morrendo quando se encontrava na zona de
Estremoz.
Para
cumprir o desejo que a mãe deixara expresso em testamento de ser enterrada em Santa
Clara, Afonso IV mandou então ungir-lhe o corpo com perfumes, ervas e substâncias
aromáticas que retardassem a decomposição do cadáver durante a longa viagem.
Sete dias depois, sete dias sob o ardor do Verão, o povo de Coimbra era surpreendido
pelo maravilhoso aroma que emanava do caixão da rainha. Assentando que se tratava
dum milagre, o episódio tornar-se-ia o epitáfio perfeito à história duma mulher
que há muito era olhada com veneranda admiração. Nos dias seguintes, surgiria toda
a espécie de lendas em torno da Rainha Santa. Isabel de Aragão tinha ganho, definitivamente,
contornos sobrenaturais.
No entanto,
se nos quisermos distanciar dos incertos retratos da fé, veremos emergir aquilo
que Isabel foi para lá de qualquer dúvida ou especulação: uma das mais influentes
rainhas de toda a História da Península Ibérica. Como dissemos, extraordinariamente
preparada desde criança para reinar, ligada por laços familiares a casas reais e
cristandade e fazendo prova da sua cultura e inteligência, dona Isabel foi, acima
de tudo, uma diplomata e um pilar de bom senso numa península onde reis e nobres
ofereciam guerra por tudo e nada. Ao longo de toda a vida, Isabel nunca deixou de
se corresponder intensamente com reis e papas, havendo cartas datadas e
assinadas por ela de 16 localidades. Por esse meio, mantinha-se informada dos
desenvolvimentos políticos de Portugal, Castela e Aragão, dava seguimento a uma
política de casamentos que assegurasse a paz em vez da guerra, defendia os interesses
dos descendentes, reclamava dívidas e geria o seu património.
Dinis
não ignorava o talento diplomático da mulher e é por isso que nem tudo foi mau,
afinal, no seu casamento: em momentos de crise política, aproximavam-se. Isabel
foi a sua maior conselheira e a razão de Portugal ter gozado então duma rara e prestigiante
posição: a de árbitro nos acordos e conflitos de toda a Península. Em benefício
directo de Dinis, Isabel não conseguiu apenas pôr termo à guerra que o opunha ao
filho; também fez o mesmo na que antes o opusera ao irmão. Foi ela quem ofereceu
ao cunhado Armamar, Ourém e Sintra, terras que eram dela, a troco de uma
rendição e exílio em Castela. E foi também ela, a descendente de uma longa linhagem
de santas, quem conseguiu que o papa ouvisse as razões de um rei que era filho,
sobrinho e neto de três excomungados, e se chegasse a um acordo de paz entre Portugal
e Igreja, depois de mais de 60 anos de guerra. É por isso, pois, que, apesar da
falta de amor, apesar de todas as lendas e apesar até de o rei repousar para sempre
em Odivelas e a mulher em Coimbra, Dinis parece ter dedicado pelo menos uma trova
à sua legítima Isabel de Aragão.
«Pois
que Deus vos fez, senhora,
fazer
do bem sempre sempre o melhor
e dele
ser tão sabedora,
em verdade
vos direi:
assim
me valha o Senhor!
Érades
boa para Rei!
E
pois sabedes entender
sempre
o melhor e bem escolher,
verdade
vos quero dizer,
Senhora
que sirvo e servirei:
pois
Deus assim o quis fazer,
Érades
boa para Rei!»
In
Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras,
2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT