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Não
Lerás
«(…)
O primeiro Índex, (…) publicado em 1559, baniu todos os livros de Lutero, João Calvino
e outros reformadores protestantes. Como a tradução da Bíblia Sagrada para a linguagem
vernacular era uma especialidade protestante, todas as bíblias foram banidas, excepto
a Vulgata Latina da Igreja Católica Romana. O Talmude e o Corão também foram
proibidos. O Índex também relacionava livros que deveriam ser purgados de
passagens conflitantes com os ensinamentos da Igreja. Escritores clássicos,
incluindo Platão, Aristóteles, Cícero, Virgílio, Homero, Euclides, Hipócrates,
Tucídides e outros, foram colocados na lista de expurgatio porque reflectiam crenças pagãs. Os livros traduzidos
por protestantes precisavam ser filtrados devido a passagens ofensivas. Em
alguns casos, bastava o facto de um livro ter sido impresso em uma cidade protestante
para ganhar um lugar na lista de obras censuráveis… A Congregação do Índex
reunia-se três ou quatro vezes por ano em Roma. Dois consultores eram nomeados
para cada livro analisado. Suas descobertas eram discutidas em um encontro de
cardeais na congregação. As decisões eram então levadas para a aprovação do papa.
Isso produziu um acúmulo de arquivos, escritos em latim ou italiano, divididos
em Diarii, que registavam as sessões
da congregação, e Protocolli, com
todos os tipos de papéis. A congregação da Inquisição (maldita) se reunia
semanalmente, mas apreciava apenas 2% ou 3% dos casos de censura, geralmente
livros de teologia.
Ao
longo dos séculos, o Índex conseguiu condenar muitos escritos que depois se tornariam
clássicos da cultura europeia. Entre os livros de filosofia estavam as obras de
Descartes, Espinosa, Locke, Hume, Rousseau, Voltaire, Pascal, Kant e Mill.
Entre os romancistas relacionados estavam Balzac, Flaubert, Hugo, Zola,
D’Annunzio e Moravia. Livros dos romancistas Daniel Defoe e Jonathan Swift
entraram para uma lista negra. O zelo dos censores variou com o correr dos anos
e perdeu fôlego no século XX. Um dos últimos alvos foi Jean-Paul Sartre, cujas obras
foram banidas já em 1948. O cerceamento de livros proibidos começou com uma
conferência sobre o conteúdo da Bíblia Sagrada para cristãos em 393 d.C.,
quando os anciãos da Igreja compilaram o Antigo Testamento e os evangelhos
aprovados de Marcos, Mateus, Lucas e João; o livro do Apocalipse; as cartas de
Pedro e Paulo; e os Actos dos Apóstolos. Com todos os outros textos banidos, a
Igreja deu início a dezasseis séculos de proibição da posse e leitura
dos livros reprovados e a formação no Vaticano de uma biblioteca com literatura
proibida para os católicos. Desde que os novos convertidos de São Paulo queimaram
seus livros de magia em Éfeso, a Igreja tem travado uma guerra contra os livros
que possam prejudicar a fé ou a moral de seus comungantes.
O
Índex relacionou os livros que os católicos não deviam ler. Entre eles edições
não católicas da Bíblia, livros que atacavam o dogma católico, os que defendiam
heresia ou cisma, e os que discutem, descrevem ou ensinam temas impuros ou
obscenos, como O
amante
de lady Chatterley. No entanto, qualquer católico que tivesse bons motivos para
ler um livro banido poderia obter permissão de seu bispo. Muitos bispos
norte-americanos concediam permissões temporárias para que estudantes lessem
livros necessários aos seus estudos. Apesar de o Vaticano não publicar mais um
Índex, a Igreja continua a condenar livros, junto com filmes, que sejam contrários
à doutrina cristã, ofensivos à Igreja ou moralmente incorretos. Essa postura
militante muitas vezes levou alguns autores a desejarem que seus livros fossem
proibidos por acreditarem que a reprovação oficial da Igreja Católica
produziria um aumento das vendas entre os não católicos. A condenação de O
Código Da Vinci, e toda a publicidade decorrente da controvérsia, contribuiu
para o fenomenal sucesso comercial do romance.
Depois
de séculos fazendo a triagem de livros de acordo com a ortodoxia cristã e aceitabilidade
moral, o Vaticano acumulou a maior colecção do mundo de livros e manuscritos condenados
por questões religiosas e morais. Mas a Biblioteca do Vaticano é também repositório
de volumes de ciência, história e filosofia que remontam à Antiguidade. A biblioteca
actual foi criada em 1451 pelo papa Nicolau V (1447–1455). Eugénio IV legou 340
manuscritos e Nicolau V acrescentou sua própria colecção para formar a base da
biblioteca. Um século antes da invenção da imprensa, ele aumentou o acervo
empregando monges para copiar manuscritos que não poderiam ser comprados de
seus donos. Também reuniu material que havia pertencido à Biblioteca Imperial
de Constantinopla depois que a cidade caiu nas mãos dos bizantinos. Ao morrer,
Nicolau havia aumentado para 1,2 mil o total de manuscritos da biblioteca.
Quando o papa Sisto IV (1471–1484) decidiu abrigar a biblioteca no Palácio do
Vaticano, ela ficou conhecida como Biblioteca Palatina. Actualmente, a
Biblioteca do Vaticano é aberta a estudiosos e académicos que apresentem uma
carta de acreditação de uma universidade ou instituto de pesquisa. Sua colecção
é formada por cerca de 1,6 milhão de volumes, incluindo cerca de 70 mil
manuscritos e 8,3 mil incunábulos (livros impressos na segunda metade do século
XV).
Estima-se
que o Arquivo Secreto do Vaticano contenha oitenta quilómetros de estantes, e
só no catálogo seleccionado existem 35 mil volumes. A publicação do Índex, em
parte ou no todo, é proibida, de acordo com as regulamentações de 2005. De
acordo com o website do Vaticano, os
documentos mais antigos datam do final do século XVIII. A movimentação do material
de um lugar para outro e convulsões políticas quase causaram a perda total de
todo o material de arquivo anterior ao reinado do papa Inocêncio III. A partir
de 1198 existem arquivos mais completos, embora a documentação seja escassa
antes do século XIII. Os documentos de maior interesse para os historiadores
são aqueles relativos à Inquisição (maldita). A Inquisição (maldita) em si foi
estabelecida pelo papa Gregório IX em 1233 como tribunal especial para ajudar a
conter a influência da heresia. Expandiu-se à medida que funcionários da Igreja
começaram a usar autoridades civis para multar, prender e até torturar os
hereges. Chegou ao auge no século XVI para frear a expansão da Reforma
protestante. Mais tarde, transformou-se no Santo Ofício, que foi sucedido pela
Congregação para a Doutrina da Fé, que controla a ortodoxia dos ensinamentos
católicos romanos. Seu antigo superior, o cardeal Joseph Ratzinger, o papa
emérito Bento XVI, declarou a abertura dos arquivos em uma conferência especial
na qual lembrou como a decisão surgiu a partir de uma carta escrita para o papa
João Paulo II (…) por Carlo Ginzburg, professor ateu de ascendência judaica. O
papa escreveu: estou certo de que a abertura de nossos arquivos atenderá não
apenas às aspirações legítimas de estudiosos, mas também à firme intenção da
Igreja de servir o homem ajudando-o a entender a si mesmo por meio da leitura
sem preconceito de sua própria história». In Paul Jeffers, Mistérios
Sombrios do Vaticano, 2012, tradução de Elvira Serapicos, Editora Jardim dos
Livros, 2013, ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).
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