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Outro
dia
«cai
na manhã do coração desolado
a
toutinegra que longe daqui cantava e
nesse
instante
a
tristeza do rosto subiu aos lábios
para
queimar a morte próxima do corpo e
da
terra
mas
se a noite vier
cheia
de luzes ilegíveis de véus
de
relógios parados, ergue as asas
fere
o ar que te sufoca e não te mexas
para
que eu fique a ver-te estilhaçar
aquilo
que penso e já não escrevo, aquilo
que
perdeu o nome e se bebe como cicuta
junto
ao precipício e à beleza do teu corpo
depois
deixarei
o dia avançar com o barco
que
levanta voo e traz as más noticias dos jornais
e o
cheiro espesso das coisas esquecidas, os óculos
para
ver o mar que já não vejo e um dedo incendiado
esboçando
na poeira uma janela de ouro
e de
vento»
Horto
«homens
cegos procuram a visão do amor
onde
os dias ergueram esta parede
intransponível
caminham
vergados no zumbido dos ventos
com
os braços erguidos, cantam
a
linha do horizonte é uma lâmina
corta
os cabelos dos meteoros, corta
as
faces dos homens que espreitam para o palco
nocturno
das invisíveis cidades
escorre
uma linfa prateada para o coração dos cegos
e o
sono atormenta-os com os seus sonhos vazios
adormecem
sempre
antes
que a cinza dos olhos arda
e se
disperse
no
fundo do muito longe ouve-se
um
lamento escuro
quando
a alba se levanta de novo no horto
dos
incêndios
prosseguem
caminho
com
a voz atada por uma corda de lírios
os
cegos
são
o corpo de uma fogo lento, uma sarça
que
se acende subitamente por dentro»
Poemas de Al Berto, in “Horto de Incêndio”
In
Al Berto, Horto de Incêndio, Hablar/Falar de Poesia, nº 1, 1997, Assírio e
Alvim, ISBN 978-972-370-410-5.
Cortesia
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