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O aspecto mais polémico relacionado com os chamados tráficos orientais é o do
número de escravizados africanos que, através deles, terão sido forçados a deixar
as suas terras. Tendo-se desenvolvido num espaço temporal muito alargado (séculos
VIII a XX), falta, ou é muito escassa, a documentação para vastos períodos que lhes
dizem respeito, pelo que os quantitativos avançados pelos diversos autores não
passam de estimativas. Assim, para os anos que vão de 650 a 1400, isto é, antes
do início do comércio transatlântico, o historiador americano Ralph Austen calcula
que tenham sido transportados pelas rotas transarianas cerca de 4 milhões de
escravos, e perto de 2 milhões por via marítima. Avançar com um número total para
os tráficos orientais, no período que vai de 650 a 1920 (só no início do século
XX terminou oficialmente a circulação de escravos por essas rotas) está longe de
ser objecto de consenso, apresentando-se valores que oscilam entre os 9 milhões
e os 17 milhões de seres humanos deportados de África. Diga-se, como termo de comparação,
que se calcula em cerca de 13 milhões o número de africanos vítimas do tráfico transatlântico.
Os valores, entre ambos os tráficos, não devem ser, portanto, muito díspares, embora
haja que ter em conta que, no caso do comércio transariano e oriental, se trata
de um processo que se prolongou por mais de 1300 anos, enquanto no atlântico se
concentrou em menos de quatro séculos. Apesar disso, os defensores dos valores mais
elevados para os tráficos orientais, puderam utilizar essa aparente diferença quantitativa
para continuarem a afirmar, na sequência de Paul Bairoch, que não foram os ocidentais
os maiores negociantes de escravos.
O tráfico
transatlântico
O nosso
conhecimento do tráfico transatlântico (ou tráfico ocidental) de escravos tem vindo
a melhorar substancialmente nas últimas décadas, devido a um crescente
interesse por parte dos historiadores, nomeadamente norte-americanos, por essa área
de estudos. Mesmo em termos quantitativos, ultrapassou-se já a fase das estimativas
de carácter geral e começamos a aproximar-nos dos números reais. O projecto mais
ambicioso é uma investigação colectiva, dirigida pelo historiador David Eltis, com
vista à elaboração de uma base de dados capaz de reconstituir a dimensão e a estrutura
do tráfico de escravos transatlântico entre os séculos XVI e XIX. Os primeiros resultados,
que, na altura, já superavam, em muito, o que se conhecia até aí, foram divulgados
num CD-ROM, em 1999. A investigação, no entanto, continuou e, desde 2008, foi colocada
na Internet, em regime de acesso livre, The Trans-Atlantic Slave Trade Database,
uma base de dados, alimentada em permanência, que reunia, no início de2012, informação
detalhada sobre cerca de 35 000 viagens do infame comércio, saídas de África entre
1501 e 1866. Embora se calcule que já estejam contempladas cerca de 80% de todas
as viagens, há ainda muitas lacunas, que, infelizmente, se concentram sobretudo
no tráfico com o Brasil e a América Espanhola. É possível, no entanto, contar,
no mesmo site, com estimativas credíveis em que, usando modelos matemáticos; se
tenta conciliar os dados disponíveis com a informação de outras fontes de carácter
mais geral.
Coube
aos portugueses o papel pouco honroso de terem iniciado o tráfico de escravos no
Atlântico, uma vez que o avanço das caravelas lhes tinha permitido encontrar uma
alternativa às tradicionais rotas transarianas. E durante cerca de 180 anos, entre
1444 (chegada a Portugal do primeiro grande contingente de escravos) e 1621, (fundação
da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais), praticamente detiveram o
exclusivo desse comércio. Ainda assim, um exclusivo relativo: quase desde o início,
espanhóis (sobretudo das Canárias), franceses e ingleses desafiavam as restrições
do mare clausum formuladas no Tratado
de Tordesilhas e apareciam a negociar no litoral africano. Além disso, se a imensa
maioria dos navios e dos traficantes era portuguesa, muitos dos capitais
pertenciam a italianos e flamengos. Os primeiros dois séculos são ainda, em volume
e em estrutura, uma pequena amostra do tipo de tráfico que virá a seguir, embora
já cerca de três mil escravizados sejam vendidos em cada ano. Alguns desses escravos
não chegavam a sair de África pois, comprados pelos portugueses no delta do rio
Níger e noutros locais, eram vendidos na Costa do Ouro em troca de metal
precioso. Calcula-se que, entre 1482 e meados do século XVI, tenham sido objecto
desse comércio inter-regional cerca de 30 mil africanos». In Arlindo Manuel Caldeira,
Escravos e Traficantes no império português, O Comércio Negreiro no Atlântico
durante os séculos XV a XIX, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-478-9.
Cortesia
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