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Lusbuna.
Verão de 1142
«(…)
Aischa, que já completara dezassete anos, dirigia-se ao hammã, os banhos
públicos, que às quartas-feiras estavam reservados às mulheres. Acompanhavam-na
as suas três irmãs solteiras, duas das esposas de Malik Ibn Danaf e algumas
escravas. Esta era uma das poucas ocasiões em que as mulheres saíam de casa e
Aischa alegrava-se com o facto de seu pai lhes permitir a ida ao hammã, apesar
de possuírem tinas de banho em casa. As termas abobadas situadas na zona
ribeirinha intramuros haviam dado o nome ao bairro onde ela vivia: al-hammã.
Assim se chamavam também uma das Portas orientais de Lusbuna, que se abria num
recanto que a muralha formava, e ainda o arrabalde extramuros, aninhado nas
rochas que serviam de alicerce às muralhas e cuja população se dedicava à faina
marítima. Aischa, achava contudo, que era uma pena as termas se situarem tão
perto de sua casa. Lembrava-se com saudade dos tempos em que, com as outras
crianças, percorria as ruas de Lusbuna, a fim de procurarem o velho Abdalah,
que lhes contava histórias da altura do califado. Agora, fora estas excursões
semanais, só estava autorizada a ir às sextas-feiras à mesquita, ou, de vez em
quando, ao casebre do pobre ancião, para lhe levar comida. Às quartas-feiras,
não era só o pequeno passeio que lhe agradava. Nos banhos, tinha a oportunidade
de conversar com amigas, além de gozar os prazeres que as águas termais lhe
proporcionavam. Prazeres aos quais a sua mãe não dava grande valor, pois
raramente lá ia. A moça andava muito preocupada com Zubaida, que emagrecia a
olhos vistos, ficando vulnerável a doenças. Parecia ter perdido a vontade de
viver e a filha não sabia o que fazer para lha devolver.
Zubaida
nunca fora capaz de travar amizade com as outras duas esposas do mercador
mouro, no que aliás não era a única culpada. Tarube e Cassima pareciam
suspeitar da antiga cristã, mas talvez apenas por invejarem uma mulher dez anos
mais nova do que elas. A própria Aischa tinha dificuldades em se dar com parte
da família. Com quatro das suas seis irmãs entendia-se mal. Agora, já três
delas haviam casado e deixado a casa paterna. Naquela manhã soalheira, mas
fresca, de Março, Aischa e Jamila, a sua irmã preferida, não paravam de
cochichar e de dar risadas, o que provocava olhares severos das duas mulheres
mais velhas. Mas Aischa não conseguia controlar a sua excitação: iria nesse serão
receber a visita do seu noivo Amir. Amir pertencera igualmente ao grupo de
crianças que se reuniam à volta de Abdalah, mas, desde que Aischa se tornara
mulher e se vira obrigada a levar uma vida recatada, nunca mais pousara os
olhos no rapaz. Mesmo na mesquita não tinha oportunidade de lhe lançar um olhar
que fosse, pois uma parede separava as mulheres dos homens.
Aischa
era invejada. O pai de Amir era um ulama, um sábio do Islão, que ensinava o
árabe e o Corão aos rapazes e que fazia parte da assembleia de notáveis, à qual
o alcaide al-Attar presidia. Vivia na al-qasbâ, ou alcáçova, como os cristãos
lhe chamavam, o bairro adjunto à residência do alcaide, que uma muralha
interior separava do resto da cidade. Chegada às termas, Aischa mergulhou nas
águas quentes e frias. A sua escrava Flora secou-a delicadamente com uma toalha
de algodão e massajou-a com óleos perfumados de rosas bravas. A cristã Flora
sentia-se bem na casa do mercador mouro, apesar da sua condição de escrava.
Como filha de um servo, um trabalhador da terra, que, como os escravos, não era
livre, dava graças a Deus que lhe proporcionara tal destino, sem passar fome e
vivendo com mais conforto do que alguma vez imaginara. Por ser meiga e de
confiança, fora a ama da pequena Aischa e entre as duas desenvolvera-se uma
relação afectiva». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN
978-989-809-261-8.
Cortesia de
Ésquilo/JDACT