domingo, 30 de abril de 2017

A Herança de RosaCruz Jorge Durão. «Temos de continuar a cavalgar! Temos que chegar à França antes que os guardas nos alcancem!»

jdact
Óbidos. 16 de Abril de 1650; madrugada
«A noite estava calma, serena, amena... O silêncio que a pautava era denunciador, acusador. A Lua projectava nas polidas pedras daquela principal rua a reflectida luz de um Sol que, naquele momento, iluminava e preenchia de vida outras paragens mais para oeste.
Três figuras haviam, no início da madrugada, começado a perscrutar o labirinto de ruas e ruelas da pequena urbe, munidas de um pequeno baú de madeira, sem quaisquer relevos, incrustações ou decorações, devidamente trancado, e de duas rudimentares ferramentas, um esguio ferro e uma pá. Àquela hora os guardas já haviam recolhido, e apenas as sentinelas que se encontravam nas portas da muralha estavam em riste face a quaisquer ameaças. Como aqueles três homens provinham da estalagem, que se situava logo na entrada este da urbe, nenhum tumulto fora suscitado ao guarda que fazia a vigilância daquele posto.
Os três homens olham a Lua pela janela e olham-se mutuamente, olhares que diziam que chegara o momento. Um deles deixa o quarto, desce cerca de um terço da escadaria que acede ao piso térreo e percebe que o pó que havia sido comprado naquele dia a um mercador, e que havia sido misturado na cerveja do estalajadeiro, estava a fazer o seu efeito. O homem dormia como uma pedra, ressonado de forma ensurdecedora, o que ajudaria a camuflar algum barulho que fizessem a descer as escadas e a sair. Todos os habitantes e os próprios guardas não viam com bons olhos aqueles alemães, que haviam chegado a Óbidos há cerca de três semanas, mas como eram grandes consumidores de cerveja e de tudo o que se mercava por ali, eram vistos como alguém que ajudava muito à pequena economia local.
Com o homem a dormir que nem um urso, juntam-se os três naquele pequeno hall empedrado, abrindo um deles a porta com cuidado e olhando para o posto do sentinela. A luz da Lua deixava perceber a silhueta do guarda. O homem sai e desloca-se com cautela para uma sombra, arremessando para bem longe, por cima da muralha, uma redonda pedra que já tinha nas mãos. Enquanto o guarda tentava perceber se era animal ou se era gente que por ali se movimentava, já com a corneta em riste, os outros dois abandonam a estalagem, deixando a pesada porta encostada, deslocando-se todos para as sombras que iam encontrando no sentido norte. Mais à frente, perto da torre, sobem para a muralha e começam a caminhar de modo a circundarem a urbe e a verificarem se a calma seria real ou apenas aparente. As ruas estavam mortas, toda a gente jazia no sono da noite e o silêncio era límpido.
Descem a muralha já perto da porta sul e, segundo os esquemas já estudados, que tinham a ver com o momento e com a posição da Lua, colocam-se no início da rua principal, a qual desembocava na torre. Aí, uma das primeiras pedras do chão é levantada sob a força dos três transmitida ao esguio ferro, debaixo da qual fora colocado um pergaminho, a decifração dos latentes indícios que a luz da Lua imprimia nas paredes, consistindo muitos desses indícios em indicações configuradas em sombras. A pedra foi colocada no sítio, viraram depois à direita, à esquerda, de novo à esquerda, e subiram outra vez à rua principal. Caminharam uns metros na rua e viraram depois à esquerda, subindo até à base da muralha do lado oeste, virando depois à direita e detendo-se uns metros mais à frente. Aí, levantam uma grande pedra, escavam um pouco por baixo, colocam no pequeno buraco o pequeno baú, repõem a terra e selam tudo com a grande pedra, varrendo com as mãos e os pés os resquícios de terra que ainda por ali permaneciam. Olham uma última vez para o local e dirigem-se de novo para a estalagem. Ao virarem para esquerda, já na rua principal, a brilhante lâmina de uma adaga que um encapuzado ostentava petrificara os seus olhares. Uma rude luta entre as rudimentares ferramentas e a brilhante adaga começara. O barulho da luta atraíra para o local os guardas que perscrutavam nas ruas por algo que lhes fora relatado. Ao chegarem ao local, os três alemães encontravam-se prostrados no chão, golpeados de profunda forma e com as vestes abertas. Mais para sul, de sombra em sombra, aquela figura encapuzada, que fora impedida de seguir todos os passos dos três rosacrucianos pela movimentação dos guardas, dirigia-se para casa, transportando dentro das vestes a réplica do papiro enterrado com que os três homens haviam ficado. Entra em casa e no imediato parecera que não era aquela noite mais que uma igual a tantas outras... Silenciosa, a envolver no sono todos os habitantes das muralhas... Ou quase todos.

Karlruhe. Alemanha, Dezembro de 1649
Temos de continuar a cavalgar! Temos que chegar à França antes que os guardas nos alcancem!, profere um dos três cavaleiros, virado para trás, tomando a liderança da deslocação. Era fim de tarde de um dia gélido, e a gélida aragem parecia cortar a carne como adagas bem afiadas. Os três homens cavalgavam pela protecção de algo que lhes proporcionava serem perseguidos pelos guardas alemães, que lhes seguiam o rasto a alguns quilómetros atrás. Aquele líder transportava no regaço um pequeno baú de madeira, simples, sem quaisquer incrustações ou relevos. Os homens davam na altura tudo por tudo para chegarem a terras francesas antes que aqueles que os perseguiam os capturassem em terras germânicas, ficando os cavaleiros imunes assim que atravessassem a fronteira». In Jorge Durão, A Herança de RosaCruz, O Tesouro Perdido de Óbidos, Edição do Autor, 2013, ISBN 978-989-866-401-3. 

Cortesia de JDurão/JDACT