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Dois meses depois, a 2 de Maio de 1784, foi assinado o contrato, o qual previa
uma ratificação dentro de vinte dias ou antes. Os longos meses que passaram até
que isso acontecesse indicam que terá havido um desentendimento entre as partes
por motivos desconhecidos. Entretanto, na corte de Madrid as actividades
relacionadas especificamente com o casamento da infanta iam de vento em popa,
começando pela ampla campanha de propaganda sobre as qualidades intelectuais que
a infanta de Espanha oferecia a Portugal. Na segunda semana de Julho, Carlota
Joaquina fez um exame diante de toda a corte sobre religião, gramática,
geografia e história. Segundo um observador cortesão, a sagacidade e o
desembaraço com que respondeu a todas as perguntas causou grande assombro nos
presentes. O marquês de Louriçal forneceu no dia seguinte à rainha dona Maria uma
versão mais asséptica do ocorrido, se bem que tenha incluído o francês e o
latim entre as matérias.
Se
tivermos em conta que Carlota acabava de fazer 9 anos, é possível compreender
que a infanta tenha recebido um aplauso incondicional de um público cortesão, o
qual estava acostumado a ver em actos como este não a verdade mas a
representação formal do prestígio da monarquia. Em todo o caso, embora a aluna
do padre Filipe não fosse uma menina-prodígio, é possível que fosse dotada de
uma excelente memória, e quase seguramente de um grande à-vontade. Fosse como
fosse, Maria Luísa ficou muito satisfeita, ao ponto de não resistir à tentação
de o demonstrar dançando (não obstante o facto de estar grávida de oito meses)
durante a festa que, assim que o exame terminou, ofereceu em honra da sua
filha, e na qual não faltaram os jogos de prendas, o fogo-de-artifício, e,
segundo Louriçal, os minuetes e a dança inglesa. A 14 de Outubro de 1784, a parmesana,
deu à luz um menino que recebeu o nome de Fernando. Este infante acabaria por
se converter em pouco tempo no herdeiro do seu pai, uma vez que os filhos gémeos
de Maria Luísa morreram antes de fazerem 1 ano. Muito tempo depois, em1816,
precisamente, Fernando casaria com uma filha da sua irmã, a infanta Maria
Isabel Bragança.
Não
é possível saber até que ponto a morte dos gémeos afectou Carlota, mas foi sem
dúvida um golpe muito duro para a posição dos pais. O nascimento, quase
imediatamente depois, de Fernando compensaria a perda, o que talvez a tenha
feito sentir-se muito ligada a ele até ao final da sua vida de maneira bastante
atípica em relação a outras famílias reais, sobretudo se considerarmos o pouco
tempo que passaram juntos e a distância que depressa os separaria. No caso de
uma mulher que sabia ser muito crítica com tudo, é raro encontrar nos seus
comentários ou cartas qualquer opinião negativa em relação àquele que todos os
historiadores espanhóis consideram possivelmente como o mais nefasto rei de
Espanha.
Os
elogios recebidos pelos exames talvez tenham contribuído para fazer crescer em
Carlota a ideia da importância estratégica que tinha para Espanha o seu
matrimónio com o infante português. Na verdade, conta-se que pouco antes de
viajar para Portugal pediu à mãe que encomendasse a Maella um segundo retrato,
desta vez seguindo o modelo da infanta Margarida da Áustria (1651-1673), filha
de Filipe IV de Espanha, representada por Velásquez na obra conhecida como As
Meninas, actualmente no Museu do Prado e que naquela altura pertencia à
colecção particular da família real espanhola. Segundo refere o relato desse
pedido, Carlota tentava assim rivalizar com a sua antepassada, querendo
mostrar-se superior a ela. Não podemos esquecer que a primeira candidata à mão
de João tinha sido durante muitos anos a arquiduquesa da Casa da Áustria.
Saberia
Carlota que aquela pequena infanta, cujo retrato tornaria universal a palavra menina,
não tinha na realidade sido muito afortunada, uma vez que, depois de casada com
o seu tio, o imperador Leopoldo I da Alemanha, tinha vivido muito poucos anos?
Em todo o caso, a palavra menino, de origem portuguesa, era usada na
corte espanhola para designar os pajens mais jovens encarregados de servir dentro
do palácio, ao passo que as meninas, eram as meninas nobres que se
ocupavam com pequenos serviços à rainha e às infantas, palavras que tinham
entrado no vocabulário usual da corte justamente devido aos casamentos com
infantas portuguesas, as quais, inicialmente, tinham chegado a Espanha
acompanhadas pelas suas meninas, e meninos, (o mais famoso dos
quais era Rui Silva, príncipe de Eboli, o melhor amigo, de Filipe II de
Espanha, e membro do séquito da imperatriz Isabel de Portugal, mãe deste).
Enquanto
Carlota posava para que Maella realizasse o seu novo retrato, o tema dos que
iriam ficar ao serviço da infanta estava na ordem do dia na corte.
Floridablanca tinha começado a negociar com Louriçal a composição do séquito
que iria acompanhar Carlota a Portugal depois do seu casamento». In
Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo,
A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
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